Até que ponto pode chegar o preconceito em relação a outra pessoa pela sua identidade de gênero? Informações chegadas à nossa redação apontavam que a discriminação está presente no dia a dia de Leopoldina, município localizado no interior de Minas Gerais, na Zona da Mata mineira. Quatro transexuais aceitaram o convite para participarem de uma entrevista, que teve como cenário a revitalizada Praça Félix Martins, local onde diariamente a população está presente, representada pelos seus mais variados segmentos.
Ser impedida de entrar em um banheiro feminino, não ser contratada para um emprego devido à sua identidade de gênero, o modo como acontecem as revistas feitas por seguranças durante eventos ou quando as pessoas chegam a mudar de passeio para não passar perto de alguém são algumas das situações vividas pelas transexuais Roberta, Rebeca, Maycon e Agatha, todas de Leopoldina. Em entrevista concedida ao jornal O Vigilante Online, elas relataram detalhes sobre os preconceitos que ocorrem na vida da maioria dos homossexuais brasileiros.
Roberta Braga Lima, 33 anos, Exportadora, reside na Espanha e de seis em seis meses está em Leopoldina, onde residem seus familiares.
Roberta comentou que na Europa não existe nenhum tipo de preconceito: “Você é bem recebida em qualquer loja. Aqui, quando passam dois homens de mãos dadas eles estão sujeitos a serem agredidos. Lá fora, um respeita o outro, é aquele lado “família” que não vejo aqui no Brasil”, afirmou.
Referindo-se a problemas com as pessoas que prestam serviços de segurança em eventos, Roberta destacou que tem o direito de uma mulher lhe dar uma geral, tem o direito de usar o banheiro feminino, “a não ser que tenha o banheiro para o terceiro sexo, e em nenhum evento da cidade teve esse banheiro do terceiro sexo. Eu não vou entrar num banheiro de homem usando calcinha. Particularmente eu considero que é uma implicância dos seguranças na parte feminina, porque eu nunca tive problemas com os seguranças masculinos, mas com mulheres sempre”, desabafou.
“Só vivemos uma vez. Que vivamos em respeito a todos.”
A transexual acredita que “em relação a este problema os responsáveis pela segurança deveriam conhecer as leis, estudarem antes de trabalhar com isso, porque nós temos o mesmo direito de usar o banheiro feminino. Se existir um banheiro para o terceiro sexo nós somos obrigados a usá-lo, mas como em Leopoldina nunca houve esse banheiro a nossa obrigação é ir no feminino. No Brasil eles existem em vários lugares, nas Escolas de Samba do Rio de Janeiro todas têm”, informou, acrescentando que estes banheiros são identificados como banheiros de gênero. “Há banheiros masculinos que não aceitam as lésbicas masculinas que já operaram os seios, que têm a feição masculina, usarem o banheiro masculino por terem a genital feminina. Como no nosso caso em Leopoldina acontece com a gente. Eu, particularmente em nenhum banheiro eu fui proibida e espero que não aconteça porque aí eu posso chamar a polícia na hora”, observou Roberta, chamando a atenção para outro detalhe: “Em Leopoldina muitas pessoas podem passar pelo mesmo problema que nós estamos enfrentando. São mais de cem pessoas que estão em processo de transformação. Nós temos que exigir nossos direitos”, ponderou.
Rebeca Vargas (foto), 31 anos, Biomédica, trabalha na Casa de Caridade Leopoldinense. Perguntada se sua identidade de gênero lhe prejudica ela afirmou que no seu dia a dia não lhe prejudica em nada: “Sou muito conhecida na cidade, lido com a população”, declarou Rebeca. Comentando a respeito do comportamento preconceituoso das pessoas em relação a ela, Rebeca revelou que é algo que ofende muito: “Nós pagamos nossos impostos, contribuímos com a cidade, e apesar disso uma pequena minoria ainda martela na questão do preconceito”, mas reconhece que essa parcela da sociedade já foi maior.
“Não vamos viver retrocessos. Leopoldina precisa evoluir e a cada dia nós vamos dar um passo para uma cidade melhor.”
Sobre seu trabalho na Casa de Caridade Leopoldinense, Rebeca disse que quando foi contratada a CCL não teve o menor preconceito devido ao gênero. “Trabalho no hospital há quatro anos e sempre fui bem tratada desde a época que procurei a CCL para fazer meu estágio. Fiz o meu período de estágio com eles e recebi o convite para fazer parte de sua equipe e estou até hoje”, esclareceu.
Agatha Moraes (foto), 24 anos, cabeleireira no Rio de Janeiro, contou que há três anos foi proibida de entrar em um banheiro feminino em Leopoldina. Em relação ao preconceito profissional, ela revelou que já sofreu pelo fato de não conseguir trabalho devido à sua identidade de gênero. “O mercado de trabalho fechou as portas pra mim aqui em Leopoldina, devido a minha identidade de gênero.
“Menos intolerância e mais respeito”.
No Rio de Janeiro eu tenho uma rotina de vida de trabalho, casa/trabalho trabalho/casa, então eu não consigo viver esse preconceito, mas no Rio é super tranquilo, não existe isso para comigo. Fora, a gente acaba vendo muitas reportagens sobre isso, mas graças a Deus comigo não acontece esse tipo de coisa”, mencionou a jovem.
Maycon Chalffonds, 24 anos, trabalha como balconista em Leopoldina. Referindo-se ao tratamento dado por alguns seguranças de eventos à pessoas da comunidade LGBT de Leopoldina, Maycon comentou: “Comigo não aconteceu este tipo de preconceito porque deveres e direitos todos têm, só que na hora de proclamar os nossos direitos todo mundo foge. O preço é o mesmo, teve que pagar do mesmo jeito. É muita intolerância. Eu acho que tem que haver um pouco de tolerância nessa parte. Porque as pessoas não querem saber de respeitar”, afirmou.
“Eu gostaria que as pessoas abrissem mais a mente e o espírito, para renovar. Aprender a respeitar os passos dos outros porque todo mundo tem direitos, todos nós somos cidadãos. A vida tem que ser ensinada a cada dia aos que não têm o conhecimento da palavra certa. O respeito e a união têm que estar em pauta sempre.”
Ao relatar que já trabalhou em outras profissões antes de se tornar balconista, Maycon considera que nesta parte ele teve sorte: “Já entrei transgênero na APA Confecções e lá que me transformei para garoto. O meu processo foi ao contrário delas e não sofri esse preconceito assim. E banheiro de gênero também não tem, só feminino e masculino, mas eu tinha que entrar no masculino. Não são todas as empresas que aceitam, realmente é assim. Aqui em Leopoldina está faltando a parada gay, só isso. Para orientar mais as pessoas, porque parada gay não é só um carnaval, a parada gay são vários eventos durante a semana, falando sobre saúde, identidade de gênero, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, o que é muito importante, não é só um carnaval. A maioria das pessoas associa a parada gay com orgia e não é isso. São palestras, são coisas que héteros podem participar para poderem se orientar, são os chamados simpatizantes”, opinou.
Durante a entrevista, Rebeca solicita falar a respeito da questão dos seguranças de eventos, mencionada por Roberta. “Posso estar errada, mas creio que temos uma única equipe de segurança em Leopoldina e que antes de criar um constrangimento, que se ponha no lugar daquela pessoa. Não se pode generalizar. Pense no ser humano, porque o que Jesus Cristo pregou foi o amor, a paz e ele conviveu no meio de pessoas. Leopoldina não pode se julgar melhor, porque Cristo sempre viveu no meio de pessoas mutiladas pela sociedade da época, então não tem um porque Leopoldina voltar num retrocesso desse”, chamando atenção para a casa de shows Hippos, em Leopoldina, que ela considera um exemplo para a cidade: “Nós sempre fomos bem recebidas pelo pessoal da organização da Hippos, que nós consideramos ser um exemplo. Digo isso porque se nós falamos sobre o lado negativo, temos também que mostrar o lado positivo. São pessoas preparadas, esclarecidas, que buscam cada vez mais nos deixar à vontade”, concluiu.
Diante do encaminhamento da entrevista para seu final, Roberta Braga Lima deixou registrado seu protesto: “Considero falta de respeito quando pessoas trocam de passeio ao passarem perto da gente, e até cospem. Isso é algo que não deveria existir. Vivo há 11 anos no exterior e nunca tive esse tipo de problema”, disse.
Discriminação configura crime
Procurada pelo jornal O Vigilante Online para comentar sobre eventuais discriminações e preconceitos enfrentados, a Delegada Titular da Delegacia de Mulheres de Leopoldina, Dra. Gisela Borges de Mattos (foto), da 3ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Leopoldina, esclareceu que a legislação, especificamente ao que se refere aos transexuais, não tem nada diferente e palpável em relação a qualquer outro cidadão. “A mesma lei que vale para todos, vale para o transexual. Se ele for discriminado, ofendido moralmente, terá sim vez perante a Justiça, uma vez que esse tipo de procedimento, esse tipo de ato, configura sim crime. Nós não temos especificamente uma legislação própria para tratar desse assunto, mas o transgênero tem uma identidade pessoal que é tratada nos tribunais com muita seriedade quando debatem a matéria, observada a necessidade de proteger os pequenos grupos e entre eles o grupo dos transgêneros”, explicou a Delegada. Ela acrescentou que “embora não haja uma legislação específica, a lei é muito ampla no sentido de proteger a identidade física e psicológica da pessoa, no sentido de caracterizar como crime uma ofensa, caracterizar como crime muitos atos de preconceito e também na esfera cível, caracterizar como ato ilícito qualquer tipo de preconceito ou ofensa que venha atingir o transgênero, como qualquer cidadão, como qualquer ser humano”, concluiu.
Jornal O Vigilante Online