Cortes no ensino integral devem afetar cerca de mil alunos em Juíz de Fora
REGIÃO
Publicado em 25/04/2019

 

Cerca de mil alunos de Juiz de Fora serão afetados com os cortes no ensino de tempo integral que era oferecido pela rede estadual. Na cidade, das 16 instituições que eram autorizadas a trabalhar com essa modalidade de ensino, apenas uma vai continuar oferecendo extraturno a estudantes do ensino fundamental em 2019. Conforme levantamento feito pela Tribuna, a medida abrange pelo menos 977 alunos juiz-foranos e 72 funcionários, entre professores e auxiliares, que deixarão de ser contratados. A reportagem entrou em contato com cada uma das escolas, solicitando o quantitativo, entretanto, nem todas as unidades escolares disponibilizaram informações. A Secretaria de Estado de Educação (SEE) também não informou os números.

O anúncio da redução foi feito em 10 de abril pela atual secretária estadual de Educação, Julia Sant’Anna, em reunião na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na ocasião, a titular da pasta justificou que a intenção do Governo não é acabar com a escola integral, mas “trabalhar de forma mais responsável”. A informação é que o programa será mantido apenas nas unidades com baixo nível socioeconômico, que concentram estudantes com renda familiar de até 1,5 salário. O critério significa que o programa, neste ano, será desenvolvido em 500 colégios atendendo cerca de 30 mil alunos. Antes, eram 1.640 escolas e mais de cem mil alunos atendidos em todo o estado. A secretária ainda argumentou que a medida é para contornar as dificuldades financeiras e evitar problemas ocorridos no ano passado por falta de repasses para custeio da merenda escolar para as unidades da rede estadual.

A decisão tem causado indignação entre pais, professores e diretores escolares. A maioria dos educadores destas escolas afirma que a mudança será prejudicial não somente ao ensino pedagógico, mas à questão psicossocial. “Muitos alunos ficavam na escola o dia todo, e isso fazia com que os pais pudessem trabalhar tranquilamente. Agora, no período da tarde, muitos vão ficar nas ruas, em contato com coisas indevidas. Fora isso, a escola era um suporte para eles. Muitos vinham para escola e ficavam o dia todo para poder comer, já que em casa não têm refeições completas”, afirmou a diretora de uma das instituições de Juiz de Fora afetadas pela redução do ensino integral. A titular prefere não ter seu nome divulgado.

Hortaliças, como o espinafre que recheia os omeletes das merendas, são colhidas na horta escolar pelos alunos do tempo integral. Atividade será prejudicada com os cortes no setor e, consequentemente, a alimentação pode ser afetada

Mãe de um casal de alunos, de 10 e 11 anos, que frequentava a quarta série no extraturno, e de um terceiro estudante, 8, que começaria no ensino integral este ano, Andreia do Nascimento de Oliveira, lamenta a situação. “No ano passado, eu trabalhava em uma lanchonete e ficava tranquila porque sabia que meus filhos estavam bem, aprendendo e se alimentando na escola. Era muito bom porque eles já faziam as tarefas lá e tinham aulas de reforço. Mas agora o prejuízo é daí para pior”. Atualmente, Andreia está desempregada, mas, caso arrume novo emprego, a dona de casa está temerosa em deixar os filhos sozinhos durante a parte da tarde. “Sem ensino integral, eles saem da escola e acabam ficando na rua”, disse.

A diretora de outra unidade de ensino, que também pediu para não ser identificada, contou que, recentemente, recebeu do Estado diversos materiais e objetos de alto valo econômico para serem utilizados no desenvolvimento de oficinas pedagógicas, que faziam parte da dupla rotina dos estudantes. “Agora, tudo isso vai ficar parado, sem uso.” Ela explicou que, na atual grade de ensino, não há como acrescentar atividades extracurriculares.
Nos municípios sob a jurisdição da Superintendência Regional de Ensino de Juiz de Fora (ver quadro), 35 escolas ofertaram a educação integral em 2018. Em 2019, apenas três escolas serão atendidas. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação, as mudanças serão feitas a partir do dia 6 de maio. A designação e a enturmação em cada unidade de ensino serão feitas a partir da demanda de alunos.

‘Retrocesso’

A pedagoga Juliana Ramos de Faria, mestranda em educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, tem seus estudos voltados para a questão do tempo na escola. Para ela, a retirada da educação integral nas escolas estaduais representa uma perda ‘imensurável’ para os alunos, professores e para toda a sociedade. Na avaliação da pedagoga, a nova realidade fará com que mais crianças fiquem vulneráveis e passem seu tempo nas ruas. Na prática, Juliana também desenvolveu projetos de acompanhamento pedagógico e na coordenação da educação integral na Escola Estadual Maria Ilydia Resende Andrade. A escola fica no Bairro Furtado de Menezes, mas também atende alunos do Bairro Olavo Costa.

“Em bairros com o nível de criminalidade como o que trabalhei, é muito triste ver que essa atitude trará efeitos devastadores, tanto para a comunidade onde se localiza a escola, como para a sociedade de maneira geral. Estamos vivendo um imenso retrocesso. Não se economiza tirando na educação, pelo contrário, precisávamos sim de mais apoio, materiais, recurso. Estamos, eu e os demais professores, que conhecemos a realidade das crianças, e sabemos que, para além da perda na questão pedagógica, na questão da saúde, da arte, da cultura, muitos de nossos alunos e alunas só se alimentavam na escola. Os impactos futuros não são somente no âmbito da aprendizagem. São na criança cidadã, responsável e consciente consigo e com o próximo”, analisa.

Tentativa de convênios com os municípios

Em entrevista à Rádio CBN, na última semana, o vereador Rodrigo Mattos (PHS), atual líder do Executivo Municipal na Câmara, disse que a decisão pela redução do número de escolas que oferecem o ensino em tempo integral causou “muita discordância por parte dos agentes políticos que representam a população”. Ele afirma que a escola em tempo integral é um avanço e que agentes do governo têm defendido que essa medida seja revogada ou, ao menos, modificada.

“Há uma possibilidade de convênios com os municípios para continuar tendo os contraturnos nas escolas estaduais. Esse assunto não está superado, vai haver grandes discussões não só na Câmara Municipal, mas na Assembleia Legislativa também. Mas na Câmara os vereadores se posicionaram fortemente contra essa atitude do governo”, pontuou.

Segundo Rodrigo Mattos, na sexta-feira (26), deverá acontecer uma reunião entre a Comissão de Educação da Câmara Municipal e a secretária de Educação do estado, Julia Sant’Anna.

O prejuízo a profissionais da rede estadual também é evidente. Com a decisão, muitos professores e auxiliares deixarão de ser contratados. A diretora de comunicação do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE) de Juiz de Fora, Yara Aquino, disse que muitos professores já procuraram a entidade para orientações de como devem proceder. A sindicalista, entretanto, explicou que a atuação da subsede de Juiz de Fora é refém às decisões da sede, em Belo Horizonte. “Não há como o sindicato de Juiz de Fora chamar uma paralisação, toda paralisação ou greve é votada em assembleia estadual. O governador chamou o sindicato para uma reunião no dia 10 de maio, para tentar negociar. Com isso, vamos ter uma posição mais definida”.

Fonte: Tribuna de Minas

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