PJF nega irregularidades em contratos de caráter emergencial
REGIÃO
Publicado em 25/04/2020

 

Entre os dias 25 de março e 2 de abril, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) assinou três termos de contratação direta com a VMGMAR Comercial Distribuição e Serviços Ltda. Os contratos foram publicados no Diário Oficial Eletrônico do Município entre os dia 27 de março e 14 de abril. Todos têm como alvo a “aquisição de insumos de enfermagem em caráter emergencial – Covid 19 para atender a Secretaria de Saúde”. Os valores das compras especificados foram de R$ 450 mil, R$ 303 mil e R$ 1.207.540. Juntos, somam R$ 1.960.540. Cabe destacar que o contrato cujo valor da aquisição corresponde a R$ 303 mil abrange também uma segunda empresa, a DRM – Distribuidora Regional de Medicamentos Ltda. para a compra de insumos no valor de R$ 189.740.

A Prefeitura rechaça qualquer irregularidade nos contratos e afirma que eles seguiram as disposições da Lei federal 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que trata de “medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019” e permite a dispensa de licitação “para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”. Os contratos firmados com a VMGMAR serviram para aquisição de itens como máscaras cirúrgicas, máscara N95 e álcool liquido e em gel 70%. A maior parte dos produtos adquiridos já foram entregues, segundo a Prefeitura, restando ainda uma segunda remessa de máscaras cirúrgicas que devem chegar à cidade na próxima segunda-feira.

 

Recentemente, os contratos em questão ganharam luz após a deputada estadual Sheila Oliveira e o deputado federal Charlles Evangelista, ambos do PSL, publicarem um vídeo em que vão até a cidade de Miguel Pereira, no interior do Rio de Janeiro, no endereço em que a empresa está inscrita no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica e afirmam que não localizaram o empreendimento em funcionamento no local. Os parlamentares também questionaram o fato de o cadastro da empresa apontar como atividade econômica principal “o comércio varejista especializado de equipamentos e suprimentos de informática”. Eles ainda citam o fato de a VMGMAR ser citada em investigações realizadas pelo Ministério Público Federal (MPF), para apurar suposto esquema de fraude em licitações públicas.

Em entrevista coletiva concedida na tarde desta sexta-feira (24), o prefeito Antônio Almas (PSDB) se disse constrangido por ter que interromper os trabalhos voltados para o combate à pandemia da Covid-19 para “explicar fatos que não correspondem à verdade”. No vídeo, Sheila fala que chegou até os contratos após busca feita depois de a PJF ter decretado estado de calamidade pública, que confere prerrogativas legais para o Município, como, por exemplo, a permissão para a realização de compras e da contratação de serviços emergenciais com dispensa de licitação. “O dinheiro público precisa ser usado com mais responsabilidade. É preciso ter mais transparência”, aponta a deputada na publicação veiculada nas redes sociais. Charlles complementa: “É um negócio obscuro, que gera uma dúvida gigantesca.”

Neste sentido, o prefeito destacou que o estado de calamidade foi decretado pela prefeitura em 7 de abril e reconhecido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), com voto contrário de Sheila, no dia 14 de abril. Desta maneira, portanto, as assinaturas dos contratos são anteriores à medida, que seguem previsões de legislação federal vigente. O prefeito ainda questionou a forma como os questionamentos dos parlamentares foram feitos, primeiramente pelas redes sociais. “Em uma relação entre poderes e seus agentes é preciso existir o respeito, e há várias formas de conduzir esta discussão.” Segundo Almas, apenas na tarde desta sexta (24), a Prefeitura recebeu um ofício formal com os questionamentos dos parlamentares e considerou inapropriado o fato de os parlamentares terem publicizado os questionamentos “antes de ouvir a parte denunciada”.

Segundo o prefeito, os processos de contratação da empresa foram conduzidos de forma regular e emergencial em meio à pandemia. “No início de março, já começamos a identificar as dificuldades que enfrentaríamos para a aquisição de equipamentos de proteção individual para os profissionais da linha de frente da saúde”, afirmou. Almas disse que teve sinalização negativa de fornecedores mais habituais sobre a aquisição de novos insumos e consultou várias entidades, inclusive públicas, sobre empresas que pudessem fornecer os insumos. Desta maneira, o nome da VMGMAR apareceu em relação encaminhada como sugestão pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). A partir daí, a empresa participou de cotações feitas pelo Município para a compra de insumos hospitalares e, em meio a outras empresas consultadas – citadas na coletiva – e, teria apresentado o menor preço o que levou à contratação direta.

O prefeito ainda lamentou o fato de a pandemia e a demanda por um maior número de insumos terem levado a um aumento do preço de itens essenciais para profissionais de saúde como máscaras. “Está muito além do observado em fevereiro. Mas esta é uma regra de mercado de hoje. Pagamos um valor de R$ 4,50 por uma máscara, antes este era o preço de uma caixa com 50 unidades.” O prefeito ressaltou que a situação emergencial, no entanto, exigiu a efetivação das compras nos valores ora praticados no mercado.

Nos bastidores, interlocutores da Prefeitura ressaltam que a deputada Sheila Oliveira é pré-candidata à PJF e que o vídeo tem vieses de antecipação do debate eleitoral. O prefeito, todavia, ainda não confirmou se vai ou não tentar a reeleição. “Sobre a visita de parlamentares feita ao endereço em que a VMGMAR está cadastrada, em Miguel Pereira, os mesmos interlocutores mostraram à reportam imagem da ferramenta Google Maps, capturada em dezembro de 2018, em que é possível identificar uma faixa com o nome da empresa no endereço registrado. Sobre tal possibilidade, Almas afirmou que não irá discutir aspectos eleitorais em meio à pandemia e defendeu a união de todos os agentes políticos da cidade no enfrentamento da crise.

Sobre as suspeitas de possível envolvimento da empresa em suspeitas de fraudes a processos licitatórios, a Prefeitura disponibilizou à reportagem o conteúdo de uma certidão negativa atualizada, que diz que “não consta no Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa e Inelegibilidade registros de condenação com trânsito em julgado ou sanção ativa quanto ao CNPJ da empresa. Ainda de acordo com o documento, “a condenação por atos de improbidade administrativa não implica automático e necessário reconhecimento da inelegibilidade do condenado”.

 

Outra baliza que a Prefeitura teria utilizado para assegurar a legalidade dos contratos foi a ferramenta do Portal da Transparência do Governo federal, que traz dados abertos sobre compras governamentais. Nela, a VMGMAR está habilitada a licitar, inclusive artigos de vestuário hospitalar e cirúrgico e itens correlatos de finalidades especiais. A PJF disse ainda que durante o processo para viabilizar a contratação direta recebeu o contrato social da empresa atualizado, em que constam as alterações que permite a comercialização de itens como máscaras e álcool em gel.

Ainda com relação às suspeitas levantadas no vídeo publicado pelos deputados, a Tribuna tentou contato com a VMGMAR Comercial Distribuição e Serviços Ltda. Em busca feita pela internet, não foi possível encontrar um site oficial da empresa ou mesmo conta nas redes sociais mais utilizadas, como o Facebook, Instagram e Twitter. A reportagem ligou para o número de telefone informado como o sendo da empresa no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, mas o contato foi atendido por uma unidade de resposta automática como sendo de outra empresa de contabilidade e informática, que, segundo seu site, está localizada em Paty do Alferes, outra cidade do interior do Rio de Janeiro. Ninguém respondeu à chamada.

Empresa encaminha nota à Prefeitura

Em nota encaminhada à PJF, a VMGMAR Comercial Distribuição e Serviços Ltda. se manifestou sobre o caso, “por respeito a esta administração, tendo em vista as supostas irregularidades imputadas à empresa” feitas pelos parlamentares. Segundo o texto, o empreendimento esteve constituído desde 19 de junho de 2009 até a ano de 2019″, no Município de Miguel Pereira, como “comprova com a foto capturada pelo Google Mapas”, citada anteriormente. “No ano de 2019, a empresa constituiu um escritório no Município de Paty de Alferes, o que se comprova com cópia de contrato de locação de 1º de fevereiro de 2019. Ficando o endereço de Miguel Pereira apenas como um depósito até o fim do prazo contratual”, diz a VMGMAR. A empresa salienta ainda que “desde março de 2020”, a empresa está com escritório sediado no Centro de Paty do Alferes.

“Cumpre informar que a empresa está regularmente apta a fornecer vários tipos de produtos, e os fornece ao longo dos anos para diversos órgãos públicos, basta um simples lançar de olhos no Portal de Transparência”, afirma a VMGMAR, que ressalta que “Não foi esta empresa que procurou o Município em questão. Toda relação se deu através de e-mails solicitando cotações dos produtos ora fornecidos”. Desta maneira, a empresa considerou como “alegações infundadas e fantasiosas” as levantadas no vídeo gravado pelos parlamentares. Segundo a nota, o mesmo vale sobre possíveis problemas judiciais da empresa. “Na verdade, não existe empresa fantasma.” A empresa também encaminhou a PJF documentos de insumos adquiridos e entregues por outros órgãos públicos como a Prefeitura de Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, “onde também foi fornecido o mesmo produto, ou seja, máscara descartável tripla, inclusive pelo mesmo prego, o que comprova que a empresa também fornece para outros estados”.

“Não é menos importante acrescentar que estamos vivendo em uma pandemia, em que as empresas não estão em pleno funcionamento, existindo hoje restrição quanto ao horário de funcionamento imposto pelas prefeituras, e ainda, pelo fato de sócio administrador ser pessoa Idosa e de grupo de risco, pois possui cardiopatia grave, encontrar-se em quarentena”, diz a nota. Por fim, a VMGMAR acrescenta que “forneceu produto de qualidade com preço justo, o que acarretou economicidade aos cofres públicos da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora neste momento de crise que todo o país e o mundo está passando” e reforça que os sócios da empresa “não possuem nenhum relacionamento com qualquer funcionário desta Prefeitura”. A nota é assinada por Otoni Gomes de Oliveira, sócio-gerente da VMGMAR.

Denunciada no âmbito da Operação Ultraje

A Tribuna teve acesso a uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) de junho, do âmbito no âmbito da Operação Ultraje, que desbaratou uma quadrilha especializada em fraudes em licitações, em especial na pasta da Educação, em todos os municípios da Baixada Fluminense e nas cidades de Itaguaí, Seropédica, Miguel Pereira e Mangaratiba. A peça em questão afirma que um dos denunciados teria vínculos com a VMGMAR Comercial Distribuição e Serviços Ltda., cujo quadro societário é formado por outros dois nomes. Em um dos trechos da peça, é imputado ao denunciado suposta ação de fraude em licitações ao participar de forma simultânea com outra empresa também vinculada ao denunciado.

Segundo a denúncia, que resultou em uma ação penal em andamento na Justiça Federal do Rio de Janeiro, o denunciado teria “vínculos com a empresa VMGMAR, criada em 2009” e oficialmente registrada em nome de outras duas pessoas. “Há vários elementos de prova que conduzem à conclusão de que a empresa VMGMAR é uma empresa de fachada”, afirma a denúncia.

A Operação Ultraje foi deflagrada em parceria com a Polícia Federal (PF) e a Controladoria Geral da União (CGU/RJ). Segundo material divulgado pelo Ministério Público em julho de 2019, “a investigação do MPF se iniciou com a apuração de fraudes em pregão realizado em 2016 pela prefeitura de São João de Meriti na aquisição de uniformes escolares para a rede municipal de ensino. As provas obtidas, por meio da quebra de sigilos telemáticos e bancários requerida pelo MPF, levaram à existência de outros procedimentos de contratação nos quais os envolvidos pudessem também ter funcionado, seja como concorrentes, seja como contratados.

Também de acordo com o MPF, os desvios podem ultrapassar os R$ 20 milhões e foram detectadas mais de 80 licitações com suspeitas de fraude. “A partir das investigações, o MPF concluiu que as empresas que concorrem nas licitações, inclusive as vencedoras, são pessoas jurídicas criadas unicamente para fraudar licitações de municípios da Baixada Fluminense, sendo de fato administradas pelas mesmas pessoas físicas. Em diligência realizada nos endereços dessas empresas, a PF se deparou com locais absolutamente incompatíveis com sedes empresariais, tratando-se de simples casas residenciais”, diz nota do MPF. No entendimento do Ministério Público, “os envolvidos associaram-se para, de forma estável e permanente, cometer fraudes a licitações ora participando direta (concorrendo apenas entre si e oferecendo propostas de cobertura) ora indiretamente (atestando reciprocamente a capacidade técnica)”.

Procurador-geral do Município defende contratação

Procurador-geral do Município, Edgar Souza Ferreira defende que tanto a empresa quanto a contratação direta da VMGMAR atendem às regras vigentes. “A lei traz o rol das exigências que a Administração pública deve observar para uma contratação pública. A legislação exige que seja verificado o contrato social da empresa e sua regularidade fiscal, por exemplo. Também foi verificado que a empresa tem contrato social que permite a comercialização dos produtos que ela disponibilizou ao Município. Ela está habilitada no Governo federal a vender produtos hospitalares. A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), por exemplo, que administra hospitais da rede federal compra desta empresa”, exemplificou.

De acordo com o procurador, a empresa em questão possui regularidade, uma vez que foi verificada certidões negativas no âmbito do Tribunal de Contas da União e do Conselho Nacional de Justiça. “É uma empresa portanto que tem perante os órgãos federais de controle regularidade fiscal e não possui condenação nem perante o TCU e nem junto ao CNJ, que possui um cadastro unificado de todos os tribunais de Justiça do país. Quanto à existência ou não de processo contra qualquer empresa, dificilmente haverá alguma que não responde a processos na Justiça. O que vale para fins de contratação pública e para qualquer relação é que não se considera ninguém culpado sem que haja trânsito em julgado desta condenação. Como as certidões estão negativas, as compras se procederam.”

 

A despeito de considerar que a VMGMAR apresenta todas as certidões negativas e as condições necessárias para firmar contratos com o poder público, o procurador-geral do Município destacou ainda que, neste momento, em que o país vive em meio à pandemia da Covid-19, a Lei federal 13.979, alterada pela Medida Provisória 926/2020 editada pelo Governo federal, prevê que “excepcionalmente será possível a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido”.


Fonte: Tribuna de Minas

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