Trabalhadores vão para informalidade das ruas para sobreviver
14/06/2020 08:16 em REGIÃO

 

Com grande parte das atividades comerciais interrompidas por conta das medidas para conter o avanço do novo coronavírus em Juiz de Fora, uma realidade chama a atenção nas ruas da cidade: o comércio ambulante irregular. Na quarta-feira (3) pela manhã, na região central, a Tribuna contabilizou, ao menos, 85 vendedores. Entre jovens e idosos, homens e mulheres, os ambulantes comercializavam os mais diversos produtos, como frutas, verduras, meias, gorros, cachecóis, panos, acessórios para celular, utensílios de cozinha e máscaras. A ocupação do espaço urbano pelos camelôs já é debatida há tempos no município, entretanto, a Covid-19 trouxe uma nova situação: a de pessoas que precisaram começar a trabalhar nas ruas como alternativa para sobreviver aos impactos da pandemia.

Um ambulante de 35 anos, que preferiu ter a identidade preservada, relatou à reportagem que, antes da pandemia do coronavírus, trabalhava montando carros de lanches e cachorro-quente em eventos. Assim, com o serviço parado e sem previsão para retornar, ele começou a vender máscaras “para não ficar zerado”. “Minha área deve ser a última a voltar. A gente que tem família tem que se virar do jeito que pode para levar o pão pra casa.” Todos os dias, ele vai à rua para vender os produtos e nela fica mais de 12 horas, entre 7h e 19h30. “Estamos trabalhando vendendo esse produto para garantir nossa alimentação e também ajudando a população de alguma forma. Na maioria das lojas e farmácias, não há máscaras”, afirma.

 
Ambulantes comercializam frutas, verduras, meias, panos, acessórios para celular e máscaras, entre outros utensílios (Foto: Leonardo Costa)

Com olhares atentos para não serem pegos por fiscais, o que os ambulantes buscam são maneiras de se sustentar em meio a crise. Por estarem na irregularidade, poucos aceitaram conversar com a Tribuna. “Não somos vistos com bons olhos”, diz, em relato apressado no Centro de Juiz de Fora. “Tem que trabalhar ligado para não perder o produto.”

Há cinco anos morando no Brasil, um ambulante sírio, que terá a identidade preservada, precisou se adaptar com a pandemia. Quando mudou para Juiz de Fora, trabalhava vendendo água de coco e, há três anos, pipoca. Em março, quando grande parte das atividades econômicas foi interrompida por meio de decreto municipal, ele também precisou suspender seu serviço. Desde então, conta com ajuda de amigos brasileiros para pagar aluguel, entre outras necessidades.

Há pouco mais de duas semanas, também contando com a ajuda de outras pessoas, passou a vender frutas. Apesar das dificuldades em meio à pandemia, ele deseja que as pessoas extraiam o melhor da situação. “Espero que esse período seja para aprender e para nos aproximarmos uns dos outros.”

‘Crise da crise’

Para compreender o contexto atual do coronavírus, é preciso olhar o movimento da economia no período que o antecede, onde o cenário já não era positivo e trazia um crescimento da informalidade. De acordo com a professora do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e especialista em relações do trabalho, Ana Claudia Moreira Cardoso, alguns pesquisadores têm tratado o período da pandemia no Brasil como “crise da crise”. “Nós já estávamos em uma crise desde 2015. Então eu acho que o período da pandemia, na realidade, explicita vários problemas que já estavam acontecendo”, diz. “Não só estávamos com crescimento do PIB muito baixo, como também com uma queda no rendimento: as pessoas estavam podendo consumir menos e, se elas consomem menos, você também tem uma produção menor. Isso vai criando um círculo vicioso.”

Um dado que pode exemplificar os impactos do coronavírus, mas também, em relação ao seu período anterior, é queda da taxa de ocupação. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no trimestre de fevereiro, março e abril de 2020, o Brasil contava com mais de 89,2 milhões de pessoas ocupadas. O valor diz respeito a uma diferença de 4,9 milhões em relação ao trimestre anterior (novembro, dezembro e janeiro), quando o número de pessoas ocupadas era de 94,1 milhões. Em fevereiro, março e abril de 2019, cerca de 92,3 milhões de pessoas estavam ocupadas no Brasil.

Com grande parte das atividades comerciais interrompidas por conta das medidas para conter o avanço do coronavírus em Juiz de Fora, ambulantes tomam conta das ruas (Foto: Leonardo Costa)

Ainda segundo a professora, a quantidade de pessoas que fizeram o pedido do auxílio emergencial do Governo Federal – voltado para os trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, com o objetivo de reduzir o impacto econômico durante pandemia do novo coronavírus – é um exemplo que pode demonstrar que boa parte do mercado de trabalho estava na informalidade. De acordo com informações do Ministério da Cidadania, até a última quarta-feira (10), o Governo Federal desembolsou R$ 76,6 bilhões para o benefício, atingindo cerca de 58,6 milhões de pessoas. No total, 120 milhões de CPFs foram inscritos para receber o auxílio.

“Quando, hoje, comparamos os impactos no mercado formal e informal, vemos claramente que o impacto foi muito maior no mercado informal. É muito mais fácil para o empregador mandar embora esse trabalhador do mercado informal, porque não tem custo nenhum”, exemplifica. “O impacto foi muito pior porque uma boa parte do mercado de trabalho já estava na informalidade. Tudo aumentou nesse último período, sem entrar ainda na pandemia: aumentou o trabalho por contra própria, o informal, o MEI, o emprego doméstico. São exatamente todos esses grupos que chamamos de grupos vulneráveis, que foram afetados mais fortemente nesse período da pandemia.”

Grupos vulneráveis

Segundo a professora da UFJF e especialista em relações do trabalho, Ana Claudia Moreira Cardoso, o crescimento do emprego informal traz aspectos negativos por estar diretamente relacionado às pessoas mais vulneráveis, com rendas mais baixas. “Quando tem um problema, essas são as primeiras pessoas a enfrentar dificuldade”, aponta. Desta forma, é preciso olhar não apenas para o indivíduo, mas para seu círculo familiar. Nas classes C e D, normalmente, os membros das famílias estão no mercado informal. “Se você tem um trabalhador que atua na via pública, existem dados que mostram que a mulher deste homem, de uma forma geral, é empregada doméstica”, complementa.

Por conta disso, conforme destacou a especialista, se há uma redução no rendimento, essa questão afeta a família como um todo. “Se aquele trabalhador da via pública está tendo redução drástica da demanda, portanto, redução drástica da renda, provavelmente na sua família, o mesmo está acontecendo com os outros membros.”

Sem prazo para nova legislação

Para quem está a mais tempo trabalhando nas ruas, a dificuldade tem sido em emitir licença para poder atuar. É o caso de um ambulante de 35 anos, que veio da Colômbia para Juiz de Fora há quatro anos. Há três, ele trabalha vendendo produtos nas ruas por não ter encontrado outro emprego e por estar passando dificuldades. Como relatado, o ambulante não conseguiu autorização para trabalhar, o que seria o caso de outros colegas. “Tem pessoas que estão 20 anos trabalhando na rua sem conseguir permissão. Tem muita burocracia”. Para o colombiano, deveria haver maior flexibilização quanto aos ambulantes na cidade. “É algo para as pessoas que precisam. Muitas estão passando dificuldade em casa, passando fome e precisam trabalhar.”

Desde 2014, não foram emitidas novas licenças pela Secretaria de Meio Ambiente e Ordenamento Urbano (Semaur) e o número de solicitações acumuladas chega a cerca de quatro mil. Em 16 de março deste ano, a publicação do decreto municipal que suspendeu os atendimentos ao público feitos pelo Município, impossibilitou que novos pedidos fossem realizados.

Como publicado em reportagem da Tribuna em 8 de março, a Prefeitura estava trabalhando em uma proposta de legislação para o segmento, a fim de reordená-lo em um novo marco legal. Entretanto, a pandemia do novo coronavírus também impediu que o projeto fosse levado adiante. Em nota, a Semaur informou que a proposta da nova legislação estava em fase final de elaboração. “Porém, o processo foi interrompido devido às ações de combate a pandemia da Covid-19 no Município e serão retomados assim que possível”, acrescentou. Ainda de acordo com a pasta, a fiscalização do comércio ambulante, bem como de todos os estabelecimentos comerciais “está sendo ostensiva desde o início da pandemia, com quase a totalidade do efetivo de fiscais diariamente nas ruas”.

 

Ambulantes relatam dificuldades para conseguir auxílio emergencial

Em Juiz de Fora, ambulantes ouvidos pela reportagem relataram ter encontrado dificuldades para conseguir o auxílio. Eles não conseguiram o benefício do Governo Federal por problemas com o CPF ou, como em um dos casos, ter o pedido negado por constar no sistema da Caixa Econômica Federal que já recebeu o auxílio. Questionado sobre os empecilhos, o banco informou que possui uma equipe especializada para monitorar e prover segurança em seus serviços digitais. Desta forma, como destacou a Caixa, as maiores fragilidades de segurança “estão nos acessos realizados pelos próprios usuários de sites, mensagens ou aplicativos falsos”.

“A Caixa ressalta que atua de forma conjunta com os órgãos de segurança pública para mitigar riscos de fraudes e garantir um nível adequado de segurança no pagamento do Auxílio Emergencial. A área de segurança do banco realiza o monitoramento e mapeamento de incidentes, em colaboração com os órgãos competentes, com o objetivo de coibir eventuais tentativas de fraudes”, aponta no texto. O banco informou, ainda, que em caso de suspeita de fraude, a Polícia Federal é acionada para investigar e realizar as intervenções necessárias. “São utilizados procedimentos e tecnologias de ponta para prevenir e remediar as ameaças com foco em manter adequado nível de segurança para os clientes e beneficiários do Auxílio Emergencial.”

Contestações
De acordo com a Caixa, contestações de saques podem ser formalizadas pelo beneficiário em qualquer agência do banco ou por meio do telefone 121. Se for comprovado o saque fraudulento, o beneficiário será ressarcido. A Caixa também reforçou que não envia e-mails ou mensagens pedindo informações ou com links, nem realiza ligações para os cidadãos, a fim de garantir a segurança do processo. “(…) apesar dos dispositivos de segurança nas plataformas digitais do banco, o cliente deve estar sempre atento a qualquer atividade e situação não usual, e principalmente não clicar em links recebidos por SMS, WhatsApp ou redes sociais para acesso a contas e valores a receber, desconfiando de informações sensacionalistas e de ‘oportunidades imperdíveis'”, afirma.

 

Desde a última terça-feira (8), o Governo Federal passou a disponibilizar a lista com os beneficiários e as parcelas creditadas para o auxílio emergencial no Portal da Transparência. O sistema de consulta traz, também, um canal de denúncias para quem verificar irregularidades. Além da medida, o Ministério da Cidadania também anunciou parceria com os Correios, para atender à população que não tem acesso aos meios digitais e, por isso, não conseguiu solicitar o Auxílio Emergencial. Todas as agências da empresa já estão habilitadas para fazer o cadastramento de quem precisa do benefício. Na mesma data, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o auxílio emergencial pago pelo Governo Federal seria prorrogado por mais dois meses. Entretanto, ainda não se tem informação de qual será o valor das parcelas.


Fonte: Tribuna de Minas

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