Uma barragem de contenção de rejeito de minério em Itamarati de Minas e um açude em Santos Dumont foram classificados como Categoria de Risco Alto no Relatório de Segurança de Barragens (RSB) emitido no mês passado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), referente a 2019, que retratou a situação das barragens em todo país.
De acordo com a ANA, essa classificação diz respeito a aspectos da própria barragem que possam influenciar na probabilidade de um acidente: aspectos de projeto, integridade da estrutura, estado de conservação, operação e manutenção e atendimento ao Plano de Segurança. Isso não significa que a barragem tem risco iminente de rompimento.
Em Minas Gerais, 139 barragens foram classificadas como risco alto no Relatório de Segurança. Destas, duas estão localizadas na Zona da Mata. Para esclarecer a situação apontada no relatório, o G1 procurou os órgãos fiscalizadores e também os responsáveis pelas barragens, que negaram que as estruturas estejam fora dos parâmetros exigidos(veja abaixo).
A publicação também aponta que em 2019 houve 12 relatos de acidentes e 58 incidentes com barragens em 15 estados, o que significa, segundo a ANA, ser a maior quantidade de registros desse tipo em relação a relatórios anteriores, o que preocupa os órgãos fiscalizadores e explica a necessidade de relatórios frequentes.
O mais grave dos acidentes, também de acordo com a Agência, ocorreu em 25 de janeiro de 2019, em Brumadinho, com o rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, que resultou em 270 mortos e mais de 40 mil pessoas afetadas.
Dois incidentes foram registrados na Zona da Mata no ano passado, na PCH Guary, em Santos Dumont e na PCH Mello, em Rio Preto.
Incidentes na Zona da Mata
O primeiro foi em 1º de janeiro de 2019, na Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Guary, em Santos Dumont, sob responsabilidade da Brookfield Energia Renovável.
Conforme o relatório da ANA, foi verificado uma "anomalia no vertedouro, considerada levemente prejudicial e de alta probabilidade de recorrência". Não foram detalhados outras informações sobre o incidente.
Na época, segundo a empresa, a ação foi feita em razão do aumento do volume de água da represa pelas fortes chuvas que ocorreram na região. O encerramento do nível 2 ocorreu no dia 19 de março, depois que uma empresa externa de engenharia contratada pela Vale atestou a segurança e estabilidade da barragem. A barragem seguiu em estado de alerta nível 1 até o dia 22 de maio, quando foi encerrado.
Conforme o relatório da ANA, as galerias da barragem foram inundadas devido a altas vazões verificadas. "A água invadiu a estrutura pois a barragem estava sendo reformada com reforço de tirantes. Por precaução, o nível de emergência foi acionado dando prosseguimento ao Plano de Ação de Emergência", afirma o órgão em trecho do documento. Não houve dano estrutural.
Barragens com CRI Alto
Na região, duas barragens foram classificadas como Categoria de Risco (CRI) Alto: a barragem de contenção de rejeitos de minério da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), em Itamarati de Minas, e o açude da Fazenda Córrego do Ouro, de um proprietário particular, em Santos Dumont.
Segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, essa classificação ocorre quando aspectos da própria barragem que possam influenciar na probabilidade de um acidente ou não há a elaboração de um Plano de Segurança, de Ação e Emergência ou revisão periódica.
Este relatório é colhido através de informações dos órgãos fiscalizadores, neste caso, a Agência Nacional de Mineração (ANM), para a barragem da CBA e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), para o açude da Fazenda Córrego do Ouro. O G1 conversou com os envolvidos para esclarecer a situação das estruturas. Veja abaixo.
Itamarati de Minas
Autoridades visitaram barragem da mineradora Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) em Itamarati de Minas (MG) — Foto: Prefeitura de Leopoldina/Divulgação
A barragem de Itamarati de Minas começou a operar em 1992 e atualmente não recebe mais rejeitos, compostos de água, argila e areia e tem capacidade para 13.820.000 metros cúbicos. O local mantém na íntegra todos os controles e manutenção da barragem. A CBA prevê reutilizar os rejeitos depositados no reservatório a partir deste ano, com perspectiva de produção até 2030.
No Relatório de Segurança da ANA, a barragem também foi classificada como Dano Potencial Associado Alto, em caso de rompimento ou vazamento. Em avaliação pela Agência Nacional em 2019, a mesma estrutura teve o dano associado registrado como baixo.
O Dano Potencial Associado diz respeito às possíveis consequências geradas pelo rompimento de uma barragem. Esse dano pode ser classificado como baixo, médio ou alto. De acordo com a lei nº 12.334/2010, essa classificação se baseia em dois fatores: potencial de perdas de vidas humanas; e impactos econômicos, sociais e ambientais decorrentes da ruptura da barragem.
O documento apontou que a barragem tem Plano de Segurança e documentação em dia, mas não possui revisão periódica.
A reportagem procurou a CBA para saber sobre a estrutura. Em nota, a empresa afirmou que as informações divulgadas no Relatório de Segurança de Barragens 2019 estão incorretas. "A CBA já está tratando o assunto diretamente com o órgão, para que o documento seja revisado", relatou a companhia.
A Companhia Brasileira de Alumínio explicou que "conforme Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) de 31 de março de 2020 ,protocolada no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração (SIGBM) da Agência Nacional de Mineração (ANM), a barragem em questão foi classificada como Categoria de Risco Baixo, que leva em consideração as características técnicas, o estado de conservação e o plano de segurança de barragem".
A empresa reforçou que "a barragem foi construída em etapa única e que a CBA possui um robusto sistema de gestão de barragens, o SIGBAR, que garante a integridade física de suas barragens, por meio de um conjunto de ações preventivas. Esse sistema contempla monitoramentos diários, semanais e mensais, enviados aos órgãos fiscalizadores em atendimento pleno a legislação".
A CBA também confirmou que as estruturas de barragem são auditadas em normas internacionais de meio ambiente e responsabilidade social e ocorrem frequentes fiscalizações pelos órgãos públicos responsáveis.
O G1 então procurou a ANA para saber sobre um possível equívoco, divergência ou erro no relatório. Em nota, a Agência afirmou que "o papel da ANA na produção do Relatório de Segurança de Barragens (RSB) é o de compilar os dados das 33 instituições fiscalizadoras de segurança de barragens existentes no Brasil".
O órgão afirmou que as informações foram colhidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). O G1 tentou contato com a instituição fiscalizadora por e-mail desde 4 de setembro, mas até este domingo (13) não obteve retorno.
Açude em Santos Dumont
Açude Córrego do Ouro em Santos Dumont — Foto: Cláudio Caetano/Arquivo Pessoal
No Relatório de Segurança, foi apontado que o açude da Fazenda Córrego do Ouro em Santos Dumont tem CRI Alto e Dano Potencial Associado Médio. Entretanto, conforme a ANA, o local não possui Plano de Segurança, Plano de Ação de Emergência e revisão periódica.
Segundo o documento, o açude é de propriedade de Cláudio Danilo Malta Caetano e foi registrado para uso recreativo. O G1 entrou em contato com o dono, que informou que a estrutura tem cerca de 120 anos e "é um açude pequeno, de barramento de 3,5 metros, com 4.900 m³ de água. É menor que um campo de futebol".
Cláudio afirmou que o local não tem irregularidade e que ocorreu "equívoco por parte do Igam" em relação aos dados mostrados no relatório. Ele afirmou que contatou o órgão e solicitou uma visita in loco de um engenheiro, para elaboração de um laudo que ateste que o CRI do local é baixo. Ele pontuou que tem até o ano de 2021 como prazo para desenvolver do Plano de Segurança.
Em fevereiro de 2020, equipes da Defesa Civil de Santos Dumont, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros de Juiz de Fora vistoriaram o açude após um transbordamento na Rua Machado de Assis devido a fortes chuvas na região.
A reportagem teve acesso ao laudo técnico da Defesa Civil, de uma vistoria em 13 de fevereiro, que afirma que "devido a um grande volume de chuva, o dreno existente não comportou toda vazão exigida, consequentemente houve uma elevação do nível de águas pluviais no local".
O engenheiro técnico responsável, José Carlos Abijaude, atestou que a barragem não tem risco iminente de rompimento e que "não há fatores visíveis que comprometam a estabilidade da estrutura" ou necessidade de evacuação de moradores vizinhos.
O documento do órgão municipal informou o proprietário deveria realizar o monitoramento diário dos níveis d'água e providenciar um Plano de Emergência, com a cooperação dos Técnicos de Segurança da Prefeitura de Santos Dumont.
O G1 procurou o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) para saber sobre a classificação e a fiscalização do Açude do Córrego do Ouro.
O órgão afirmou que a fiscalização ocorreu em setembro de 2019 e que o açude não estava cadastrado no sistema da instituição dentro do prazo estabelecido e, por isso, foi lavrado Auto de Infração.
"Além disso, está em processamento a lavratura de outro Auto de Infração, visto a não entrega do Extrato de Inspeção de Segurança Regular, relativo ao ano de 2019, conforme definido pela Portaria Igam nº 02/2019. Cabe esclarecer que foi realizada fiscalização na estrutura no dia 09/09/2019, sendo lavrado o Auto de Fiscalização nº 48251/2019 e, que esta proporciona apenas uma inspeção visual das condições da barragem no momento de sua realização, não permitindo inferir sobre a estabilidade da mesma. ", afirmou o órgão.
O Igam também explicou que no cadastro do açude, o Nível de Perigo Global da Barragem (NPGB), que é a gradação dada à barragem em função do comprometimento de sua segurança decorrente do efeito conjugado das anomalias, foi apresentado pelo empreendedor como Normal , o que significa que não há comprometimento da segurança da estrutura.
O órgão reforçou que o proprietário tem até o dia 31 de dezembro deste ano para apresentara o Extrato de Inspeção de Segurança Regular
"Cabe esclarecer que a classificação da barragem quanto a Categoria de Risco (CRI)em “Alto”, não implica, necessariamente, que ela tem alta probabilidade de falha, portanto, não deve ser confundida com provável ou iminente risco de rompimento. Por fim, o Igam ressalta que vem realizando o acompanhamento da referida estrutura desde a sua fiscalização e adotando os procedimentos necessários, conforme os dispositivos das Portarias Igam n° 02 e 03 de 2019. Tudo isto com o intuito de garantir a segurança da população", finalizou.