'Quando sair do hospital, eu vou': filha que encontrou lista no celular do pai após morte por câncer diz que já realizou alguns sonhos
Publicado em 09/10/2020 16:28
REGIÃO

 

"Quando sair do hospital, eu vou..." Esta semana, a história de Júlia do Vale e da luta do pai contra o câncer viralizou. Ela descobriu uma lista com 26 planos que Ramon do Vale Vicente realizaria, se tivesse vencido a doença, e publicou em uma rede social. Algum tempo depois não só pensou, mas começou a concretizar parte das metas. O G1 conversou com a garota e a mãe, Fernanda de Souza Filho, para saber como foi a preparação e a vivência dos sonhos que estavam guardados em um celular.

O mineiro de Cataguases morreu no dia 21 de dezembro de 2019, aos 53 anos, depois de lutar dois anos contra a leucemia. Oito meses após a morte, Júlia encontrou no bloco de notas do celular dele os itens que gostaria de fazer quando saísse do hospital. A maioria envolvia a filha única.

Em seguida, Júlia mostrou para mãe e decidiu postar no Twitter como forma de desabafo e para contar aos amigos sobre o momento difícil que passava. "Não imaginava a repercussão que teria, em nenhum momento", comentou. Até a manhã desta quinta-feira (8), a publicação tinha mais de 20.500 compartilhamentos e quase 145 mil curtidas.

 

Os sonhos.

"Ele sempre falou comigo que tinha um aplicativo de notas no telefone, que escrevia muitas coisas pessoais e que era pra eu não mexer. Foi então que um dia antes do aniversário dele [25 de setembro] fiquei na dúvida. Mas resolvi abrir e vi várias coisas. O que chamou atenção foi o título do bloco de notas: 'Quando eu sair do hospital eu vou...'. Desabei e chorei muito", contou ao G1.

 

E depois veio a vontade de realizar os sonhos do pai. Alguns dos itens listados por Ramon já foram cumpridos pela adolescente. Eram coisas que ele sempre falava para a filha e para a ex-mulher no hospital, como viagem para praia, tatuaguem com os batimentos cardíacos dele e reformar a casa da mãe, que mora em Fortuna de Minas.

"A Júlia tem uma suspeita que, por causa do processo quimioterápico ser muito pesado, ele tenha feito essa lista para não esquecer das coisas e reforçar a conversa com ela. Ninguém acreditava que ele não ia conseguir vencer o câncer, ele não desistiu em nenhum momento", relatou a ex-mulher Fernanda, de 47 anos, que é psicóloga e trabalha com recursos humanos.

1º item da lista

O primeiro item dos 26 era uma viagem na praia com a Ju. O interessante é que meses antes de ter acesso à lista, em janeiro de 2020, Júlia, a mãe e parentes viajaram para Cabo Frio (RJ), a praia preferida do pai.

 

"Ele sempre falava do sol no hospital, que os dias estavam bonitos e que quando ele saísse, ele ia direto pra praia", lembrou.

 

Cabo Frio também tem uma ligação especial porque foi a primeira praia que Fernanda e Ramon levaram a filha, quando ela era criança. Na viagem, elas visitaram a Praia do Forte, Arraial do Cabo e outras atrações da Região dos Lagos.

Tatuagem e a reforma da casa

Outro item que Júlia já tinha cumprido era a tatuagem. Em maio, ela marcou na pele os batimentos cardíacos do pai, que os dois tinham combinado durante tratamento no hospital.

Fernanda e a filha já estavam ajudando na reforma da casa da mãe de Ramon, em Fortuna de Minas. As obras estão em andamento, já que a família não tinha um dinheiro reservado para isso, mas vão continuar com a missão de arrumar a casa da avó paterna.

Próximos itens

Júlia disse ao G1 que outros planos estão à caminho. No próximo ano quer tirar carteira de motorista para poder dirigir o jipe deixado pelo pai. O carro também será reformado da forma que Ramon queria: pintar o veículo de vermelho e trocar os bancos para a mesma cor.

 

"Não vamos vender o carro. Eu quero começar a trabalhar para poder mexer no carro, quero realizar todos os sonhos dele", ressaltou a adolescente.

 

Ela e a mãe também querem cumprir um desejo de Ramon, que era visitar o santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal. Segundo Fernanda, ele era muito devoto da santa e levou uma imagem dela até o último momento no Centro de Terapia Intensiva (CTI). Atualmente, elas estão juntando dinheiro para começar a planejar a viagem.

Plano que não será cumprido

Para a reportagem, a adolescente contou que tem um plano que não vai cumprir, que é a troca do sobrenome dela de "Vale" para "Valle".

"Meu pai tinha o desejo de mudar o nome para Vale com dois L, como da nossa família. Meu avô que colocou com um L só, para ficar mais fácil de escrever na época. Eu decidi que não vou mudar, já que só nós dois temos o sobrenome, assim ficamos exclusivos, é uma coisa nossa", contou.

 

Na lista: ajuda e combate ao câncer

Um dos tópicos da lista de Ramon e que era sempre falado com Fernanda e Júlia era a ajuda às crianças com câncer no hospital em que estava internado, em Belo Horizonte.

"Em um período do tratamento, ele foi transferido para a ala infantil do hospital. As crianças faziam o mesmo tratamento de quimioterapia que ele, e o Ramon ficava ouvindo as crianças chorarem o tempo todo, e ficava muito triste, mexia muito com ele isso. Ele me pediu para ajudarmos as crianças do hospital e falei que estava junto com ele nessa", explicou Fernanda.

No período em que Ramon aguardava o transplante de medula, que seria doado pela filha, a família juntou R$ 8 mil com doações de amigos e parentes para ajudar no momento em que ele saísse do hospital, já que precisaria de cuidados especializados para pessoas transplantadas.

Entretanto, Ramon não chegou a fazer o transplante, e os familiares e amigos falaram para Fernanda e Júlia ficarem com o dinheiro.

O valor arrecadado foi utilizado em uma ação de apoio às crianças com câncer, auxiliar um amigo que fazia o tratamento da doença. Além disso, também foi utilizado para pagar o sepultamento de Ramon e ajudar nas reformas da casa da mãe dele.

As duas procuraram, então, a Missão Sofia - um projeto feito por Mariana Alves e pela filha Sofia, de oito anos, que criam perucas com temáticas de princesas e super-heróis, que são feitas de crochê, para crianças que fazem tratamento de câncer no Hospital da Baleia.

Parte do dinheiro arrecadado foi entregue para a Missão Sofia, e Júlia e Fernanda participaram da entrega de 75 perucas. A intenção da mãe e da filha é continuar apoiando o projeto e outras iniciativas que auxiliam crianças e familiares que sofrem da doença.

Outra parte foi destinada a um amigo da família, o Helton, que mora próximo à mãe de Ramon, em Fortuna de Minas e também estava com um linfoma. Fernanda contou que o ex-marido se preocupava muito com o amigo, que não tinha condições financeiras, plano de saúde e fazia todo o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

 

O dinheiro ajudou Helton a custear medicamentos e realizar parte do tratamento. Ele conseguiu fazer o transplante de medula e encontra-se recuperado do câncer.

Além dessas iniciativas, Júlia e a mãe querem chamar a atenção para outra causa muito especial: a doação de sangue e medula.

 

"Gostaríamos de fazer um apelo, potencializar e pedir para que as pessoas doem sangue e medula óssea. Foi muito difícil para o Ramon, ele precisou de muito sangue e na época conseguimos mobilizar 100 doadores", reforçou Fernanda.

 

Em todo o estado, a doação de sangue pode ser agendada pelo site do Hemominas, que não parou de receber doações durante a pandemia de coronavírus. É preciso ter entre entre 16 e 69 anos de idade. Adolescentes de 16 e 17 anos podem doar acompanhados pelo responsável legal, que deverá apresentar um documento de identidade e assinar a autorização no local de doação.

 

Ramon

 

Ramon do Vale Vicente nasceu em Cataguases, passou a infância em Recreio. Se formou em técnico em eletrônica em Juiz de Fora, trabalhou em Belo Horizonte com manutenção em torres de rádio para a Telefonia.

Casou em 1999 com Fernanda e, quatro anos depois, nasceu Júlia. E foi em 2018 que algo começou a não ficar bem na vida de Ramom. Quinze dias depois veio o diagnóstico de leucemia.

Após um ano e oito sessões de quimioterapia, ele foi para a casa. Contudo, quatro meses depois, começou a passar e ficou mais quatro meses no hospital. Foi então que no dia 21 de dezembro de 2019, Ramom perdeu a batalha e faleceu. Agora ele vive nos sonhos da lista que segue sendo planejada pela filha.

 

 

Fonte: G-1 Zona da Mata

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