Minas Gerais tem até junho de 2022 para quase triplicar número atual de defensorias públicas
Publicado em 17/06/2021 05:51
REGIÃO

 

A cuidadora de idosos Jane Alves Junqueira recebe gratuitamente, todo mês, um remédio que faz parte do tratamento de diabetes que custa cerca de R$ 200 e outro, para edema nos olhos, que chega a R$ 10 mil. Já a servente de limpeza Tamara Oliveira Freitas conseguiu se divorciar e ter garantida a pensão alimentícia para as duas filhas, sem precisar pagar por isso.

Apesar de não se conhecerem, as histórias da Jane e da Tamara têm um ponto em comum: elas só conseguiram acesso à Justiça, sem pagar nada, porque contaram com a Defensoria Pública de Minas Gerais.

Mas esta não é a realidade da maioria dos mineiros. Quarenta anos após a instituição da Defensoria Pública em Minas Gerais, um levantamento feito pela Associação dos Defensores Públicos de Minas Gerais (Adep-MG), apontou que apenas 110 municípios possuem esse tipo de atendimento.

Ainda de acordo com o levantamento Minas Gerais tem 672 defensores públicos, mas deveria ter pelo menos mais 528, totalizando 1.200. "O objetivo deste diagnóstico foi chamar a atenção para a necessidade de investimento na Defensoria Pública”, disse o presidente da Associação dos Defensores Públicos, Fernando Campello.

Por lei, até 2022, a Defensoria Pública deveria estar presente em todas as 296 cidades do estado que possuem fóruns. A obrigatoriedade está prevista na Emenda Constitucional 80/2014, que estabeleceu um prazo de oito anos para todas as comarcas do país cumprirem a meta.

A cidade de Santa Luzia, onde vive Tamara, não tinha Defensoria Pública até 2016. Desde então, os moradores da cidade que não podem arcar com um advogado contam com defensores nas áreas da Família, Cível e da Saúde.

Para Tamara, a defensoria conseguiu garantir o divórcio e a pensão alimentícia das duas filhas, de 9 e 7 anos, em um ano.

 

"Graças a Deus deu tudo certo. Meu ex-marido entrou com o processo de divórcio e aí já teve que olhar a pensão alimentícia. Mas, ele ficou desempregado e ficou três meses sem pagar. Quando quis quitar, entrei em contato com a defensoria, que ajudou a resolver de novo”, contou.

 

Apesar de contar com defensores, a quantidade de profissionais na cidade ainda é aquém para a demanda. Na defensoria da família, a mais procurada, são dois profissionais para quatro varas. O tempo médio de espera para início do atendimento chega a ser de 3 semanas.

“Na defensoria, todos acabam trabalhando no limite, com uma carga enorme de trabalho. É aquela coisa de enxugar gelo. Como não há profissionais para atender a todas as demandas que chegam na velocidade que deveria, acaba acumulando processos, o que vai reverberar no tempo de atendimento da defensoria”, disse o defensor Bruno de Jesus.

 

Faltam defensores em BH

 

Nem mesmo Belo Horizonte escapa do déficit de profissionais. De acordo com o levantamento da Adep, a capital mineira tem 250 defensores, mas deveria ter, por lei, pelo menos 32 a mais.

Uma das defensorias mais demandadas, especialmente em tempos de pandemia, é a da saúde. Foi lá que Jane conseguiu obter os dois medicamentos de que precisa - um para diabetes e outro para os olhos - que, juntos, custam cerca de R$ 10.200.

 

"O que a defensoria faz é dar uma qualidade de vida, possibilidade de você conseguir aquilo que talvez não teria condições. Já tomei mais de 18 injeções [do medicamento de alto custo], devido ao processo da defensoria. Se eu não tivesse usando esse medicamento hoje eu poderia estar cega do meu olho direito", falou.

 

 

Déficit na Grande BH

 

 

Em todos os 34 municípios da região metropolitana de Belo Horizonte,apenas 15 possuem defensorias públicas.

Dentre os que são comarcas, ou seja, precisam ter defensorias até junho do ano que vem, quatro continuam sem na Grande BH, de acordo com o diagnóstico da Adep: Caeté, Esmeraldas, Matozinhos e Paraopeba.

Há ainda comarcas que possuem defensorias, mas não para todas as varas. Brumadinho, Igarapé e Sabará, por exemplo, que não têm defensor da área de família, a mais demandada. É o defensor de família que vai conduzir processos de divórcio e de pensão alimentícia.

Cinco municípios da Grande BH não possuem defensor de saúde, que vai garantir acesso da população carente a medicamentos e leitos hospitalares, por exemplo. São elas: Betim, Ibirité, Igarapé, Pedro Leopoldo.

Menos da metade dos municípios, 7, possuem profissionais especializados para a defesa dos direitos da infância e do adolescente e apenas uma, em Contagem, tem defensor para mulher vítima de violência.

 

Desafios financeiros

 

Para crescer, a Defensoria Pública até tem autonomia orçamentária, mas depende dos repasses do governo do Estado, que vive uma crise financeira há anos. O defensor público-geral do estado, Gério Patrocínio Soares, ressalta que estes repasses são muito abaixo do que recebem outros órgãos independentes que atuam em conjunto, como o Tribunal de Justiça e o Ministério Público.

Em 2021, o repasse previsto na Lei Orçamentária Anual para a Defensoria Pública é de R$ 589,3 milhões. Já para o Ministério Público, o valor é cerca de quatro vezes maior, de R$ 2,6 bilhões, enquanto o do TJ passa de dez vezes maior, de R$ 6,6 bilhões.

De acordo com Gério, há 80 defensores públicos aprovados em concurso que poderiam ser empossados, mas não há viabilidade financeira.

 

“Nosso orçamento é construído, anualmente, com aquilo que o estado repassa como parcela. Infelizmente, a gente depende do governador para ter estes valores. O nosso desafio é que tem esta concorrência destas carreiras [juiz e promotor], que tem remunerações melhores, férias melhores, várias situações e números infinitamente maiores”

 

“Não há como disponibilizar um serviço técnico, qualificado, como este que é prestado sem que a carreira seja valorizada e a instituição tem a estrutura material e de pessoal para atender a demanda pela qual responde, que é a defesa dos vulneráveis, especialmente em momentos de crise econômica, que estamos atravessando.”, avalia Fernando Campello.

 

O que diz o governo

 

"De 2019 a 2021, ainda que o orçamento do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) sejam maiores em termos globais, o orçamento autorizado para a Defensoria Pública de Minas Gerais com recursos do Tesouro Estadual cresceu proporcionalmente mais que o desses órgãos: o da Defensoria teve crescimento de 11,41%, enquanto o do TJMG foi de 6,75% e o do MPMG 3,63%.

No que se refere à abertura de concursos públicos, há que se considerar a limitação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em relação aos gastos do Estado com pessoal. A LRF não define um limite específico para a Defensoria, como define para os demais Poderes. Desta forma, o órgão, inserido no Poder Executivo, está sujeito às mesmas restrições do Estado."

 

Fonte: G-1 Minas

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