Mães que vivem em favelas contam como enfrentam estereótipos
DIVERSOS
Publicado em 08/05/2022

 

Em uma data como o Dia das Mães, muitas mulheres são exaltadas como “amorosas”,   “guerreiras”, e apontadas como pessoas que lutam por seus filhos. Em outros momentos, no entanto, avaliações e classificações negativas é que acabam ganhando espaço. E as mais afetadas por essas fofocas e classificações são as mães que moram em favelas de todo o Brasil.

Comentários como “preguiçosas", "vulgares", "nervosas" e "irresponsáveis por terem filhos sem condições financeiras estáveis para mantê-los” estão entre os principais estereótipos, segundo a visão da antropóloga Camilo Fernandes, expressa em seu recente livro 'Figuras da Causação’.

Essas classificações são confirmados por mães moradores de favelas de São Paulo entrevistadas pelo R7. A jovem Kailane Rodrigues, de 19 anos, moradora da comunidade conhecida como Favela do Pó, na zona norte, afirma que esse tipo de comentário, principalmente por ter sido mãe aos 15, não a incomoda mais. “Eu sempre sonhei em ser mãe, então, por que para mim esse sonho tem que ser diferente do que para as mulheres que têm melhores condições? Não escolhi ser pobre e ter nascido na favela”, desabafou.

Kailane é uma mãe entre milhares que são alvo de comentários julgadores da sociedade. O livro ‘Figuras da Causação’ explica essa marginalização da mulher, mãe e moradora da favela e o relatório divide esse público em três características citadas por boa parte da sociedade: as “novinhas”, que são mulheres que “transaram cedo demais”, tiveram filhos e têm uma maneira diferente de criá-los; as “nervosas”, que são conhecidas por serem agressivas e descontroladas com os filhos; e, por fim, as que abandonam e deixam as crianças para serem criadas por terceiros.

A escritora contou à reportagem que sempre ouvia esse tipo de fofoca sobre mães e decidiu dar voz a elas, tentando entender a história por trás e, para isso, foi às ruas. No livro, Camila ainda aborda o fato da questão social dessas mulheres. A região onde moram com a família, o perigo, a escassez de recursos e até a falta de vagas em creche influenciam na maneira como elas criam os filhos.

Para Karina Andrade, de 31 anos, mãe de duas filhas e moradora da Favela da Ilha, na zona leste de São Paulo, essas condições com certeza influenciam na criação das pequenas. A mulher, que hoje é empresária, conta que é viúva há cinco anos e que o marido foi assassinado na mesma região onde mora com a família. “É um choque viver aqui”.

A mulher ainda relata que, ao ter a primeira filha, aos 17 anos, no último ano da escola, precisava deixar a menina com a avó para seguir com os estudos e isso gerou muitos comentários na vizinhança. Hoje, com 13 anos, a filha primogênita de Karina tem traumas após o assassinato do pai de criação. 

Questionada sobre quais diferenças ela via entre as mães que vivem na comunidade e outras que moram em diferentes regiões e possuem uma condição mais estável, Karina cita aspectos como educação, lazer e segurança. “Morar em uma comunidade é diferente, aqui não tem muitas opções de lazer, não tem quadra, parques para as crianças. A segurança aqui também não é das melhores, a gente fica sempre preocupada. A educação, que é algo que eu prezo muito, não há escolas que são realmente referência. Se eu pudesse hoje colocava minhas filhas em uma escola particular”, relatou.

Karina, que foi criada pela avó desde que se entende por gente, afirma, ainda, que a vida é uma batalha diária e que sempre vai haver comentários negativos. “As pessoas julgam muito a decisão que a gente toma, mas tudo o que eu faço, toda a minha força vem das minhas filhas. Hoje eu tenho meu próprio negócio e planejo crescer ainda mais”, finalizou.

R7 entrevistou uma outra mãe, que mora e trabalha na região do Morumbi, na zona sul da capital e preferiu não ser identificada, que afirma que por algumas vezes comentou com a família e grupo de amigos a situação de certas pessoas, conhecidas dela, que vivem nessa situação “mais vulnerável”.

“A filha da mulher que trabalha lá em casa, teve filho com 16 anos e desempregada, aí sobrou para a mãe dela. Eu sei que tem toda uma questão por trás, uma estranha cultura criada não só em regiões de favela, mas que vemos também em vários lugares, famílias, isso acontece. Os comentários são inegáveis, é praticamente uma criança tendo outra, não dá para achar normal. É por isso que eu acho que a educação sexual nas escolas é necessário, muita gravidez indesejada na adolescência não aconteceria se esse assunto fosse mais abordado”, opinou.

Sexualidade

A mulher levantou um ponto importante que ainda é considerado um tabu na sociedade. A coordenadora pedagógica Claudia Fer, de 47 anos, concorda com o comentário e afirma que, apesar de adolescentes estarem sempre cheios de informações por conta das tecnologias, o sexo é algo que, tecnicamente, é estimulado nas redes.

“Eu acho que pela internet, a sexualidade está muito mais aflorada, os adolescentes acham que tem que ter vida sexual ativa desde muito cedo e acabam se esquecendo de se proteger, é quando ocorre a gravidez indesejada e, em pior caso, doenças sexualmente transmissíveis”. Segundo a coordenadora, é uma questão para ser pensada pela gestão nacional.

Até neste caso, é assunto que impacta socialmente essas mulheres. Para a psicanalista e sócia fundadora do Instituto Elaborar, Sheila Murari, não é somente a questão financeira e social que interfere na criação dos filhos, mas a emocional também. “Em casos de mães 'solo', por exemplo, elas são as únicas responsáveis pelo sustento, segurança, educação, amor e tudo o que uma criança precisa ter e ainda são apontadas, isso traz uma sobrecarga enorme".

De acordo a antropóloga Camila Fernandes, autora do livro sobre os estereótipos enfrentados pelas mães, é necessário que se fale sobre esse assunto mais abertamente. “Vamos aproveitar o Dia das Mães ou o da Mulher para tentar realizar exercícios que façam a sociedade se colocar no lugar delas, com um olhar diferente. Falar com sobre algo que não é o meu local de fala, que eu não conheço a história, só vejo externamente, é fácil demais”, relatou.

Novinhas, nervosas e as mães que abandonam

No livro, a antropóloga conta a história de Laura, mãe de dois filhos e que era agredida pelo marido, que “não aceitava o fim da relação”. Na última briga do casal, a mulher optou por sair de casa, não aguentava mais levar pancada, mas não tinha como levar os filhos.

Após encontrar um local para morar, Laura voltou para buscar as crianças, mas o ex-marido não permitiu que ela levasse os meninos. Enquanto ela trabalhava, o ex-companheiro espalhava boatos de que ela teria abandonado as crianças, e foi assim que ela ficou conhecida na comunidade.

Fonte: R7

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