A inflação de alimentos, que corrói o poder de compra dos brasileiros, se soma a um grande vilão que vem comprimindo o orçamento das famílias de baixa renda: o gás de cozinha. O comprometimento de renda com o GLP, o popular botijão de gás de 13kg, chega ao maior patamar desde 2007.
Um levantamento feito pelo EXTRA com base em dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostra que, em janeiro de 2022, o botijão era vendido em média por R$ 102,41 — 8,45% do salário mínimo deste ano, de R$ 1.212, e o dobro do auxílio-gás do governo federal, de R$ 52. É o maior percentual desde abril de 2007, quando era encontrado por R$ 33,03 em média, em valores da época — 8,69% do salário mínimo daquele ano, de R$ 380. O cálculo considerou o preço do GLP no mês da correção anual do salário mínimo.
O botijão pesa especialmente para os mais pobres, que muitas vezes vivem em regiões que carecem de serviços estruturados de gás encanado. Porém, mesmo com o predomínio do gás de botijão nessas áreas, os sucessivos reajustes impactam o faturamento e o fluxo de venda de pequenos e médios revendedores que atuam no comércio local.
Há 13 anos no mercado de revenda, o empresário Celso Miguez nunca vendeu o gás por um preço tão alto quanto hoje. Com aumento nas refinarias e nas distribuidoras nos últimos meses, não teve jeito. Foi preciso reajustar o valor para os consumidores. O reflexo foi imediato: as vendas caíram 30% nos últimos dois anos nos dois pontos em que atua, no Cachambi e em Bonsucesso, na Zona Norte do Rio.
— Eu pago R$ 80 no (botijão) de 13kg na distribuidora e não repasso esse aumento todo para os consumidores. Até abril, eu vendia o botijão por R$ 85 em Bonsucesso, mas precisei aumentar R$ 10 neste mês — conta Miguez, que também precisou comprimir a margem de lucro para vender o gás a R$ 90, no Cachambi.
Antes de começar o expediente como porteiro, Gilberto Fernandes chegou ao ponto de venda em Bonsucesso para abastecer a casa para o mês de maio — o botijão atende a família dele, de 4 pessoas, por um mês. Pelo alto preço do gás, ele virou fiador do vizinho:
— Em casa, nunca passamos dificuldade, mas já tive que emprestar R$ 50 para o vizinho poder comprar o botijão. Com o gás perto de R$ 120 em alguns lugares, muitos conhecidos acabam optando entre comer ou comprar o botijão.
Alberto Dias, que comanda revendedoras de botijão em Niterói, Nova Iguaçu, Mesquita e Paraty, parou de conter os reajustes em outubro de 2021, e hoje tem que repassar integralmente os aumentos aos consumidores, com medo de fechar as portas. O botijão está sendo vendido a R$ 105, direto na portaria, ou R$ 125, com entrega em domicílio — aumento de R$ 30, ante 2021.
— Tivemos que segurar por causa da concorrência, mas agora não tem como vender abaixo do preço de custo, porque fica inviável. Quando a gente parou para fechar as contas, não deu para pagar as despesas de forma que comporte todos os gastos.
GLP ainda tem preço competitivo
O peso do gás de botijão no salário mínimo, que hoje beira os 9%, pode ser explicado por uma combinação de fatores, segundo especialistas. Além da escalada da cotação do dólar, em 2022, outro ponto que explica os constantes reajustes é a invasão da Ucrânia pela Rússia, desde fevereiro.
Boa parte do gás consumido no Brasil é importado, e o dólar próximo a R$ 5 encarece o custo de importação, repassado ao consumidor final. Em 2022, a invasão da Ucrânia, envolvendo dois dos maiores exportadores de gás, contribuiu para os saltos nos preços.
E não há perspectiva de melhora no médio prazo, segundo o professor Marco Antonio Rocha, do Instituto de Economia da Unicamp. Ele avalia que, até o fim do ano, o preço do botijão não deve voltar ao patamar pré-pandemia — quando era vendido, em média, por R$ 64,79 — sem perspectiva de melhora do conflito na Ucrânia.
— As refinarias respeitam o preço dos importadores que comprime, principalmente, a margem de lucro do varejo, que já recebe os reajustes aplicados nas refinarias, além de grandes e pequenas distribuidoras.
Apesar dos altos preços, o botijão de gás ainda é uma fonte de energia com preços competitivos, em relação às outras fontes — uma unidade de 13 kg dura, em média, 56 dias em uma residência, aponta o presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de GLP (Sindigás), Sergio Bandeira de Mello.
— O gás de cozinha é uma fonte de energia bastante competitiva e adequada ao perfil de consumo da maior parte das famílias brasileiras. A evolução do preço do gás em relação ao salário mínimo é uma questão importante que precisa ser enfrentada. A pobreza energética ligada à renda é um desafio. É preciso combater a participação da lenha na matriz energética, que vem crescendo nos últimos anos — ressalta Bandeira de Mello.
Fonte: Jornal Extra