Pediatras no Brasil e nos EUA advertem contra dieta vegana até dois anos
DIVERSOS
Publicado em 01/09/2022

 

O caso da americana Sheila O'Leary, condenada à prisão perpétua nos Estados Unidos acusada de homicídio do próprio filho por desnutrição e desidratação após submetê-lo a uma alimentação apenas com frutas, vegetais crus e leite materno, gerou dúvidas entre os pais.

Será que é possível nutrir bebês e crianças exclusivamente com uma dieta vegana?

 

Entre sociedades médicas — como a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) — a recomendação é evitar uma alimentação sem nenhuma fonte de origem animal até os dois anos de vida.

Mas os especialistas admitem que, sim, até dá para excluir carnes, ovos, laticínios e outros produtos de origem animal das refeições dos pequenos — mas é preciso tomar um enorme cuidado para garantir um aporte adequado de nutrientes, vitaminas e minerais para eles.

 

Isso envolve escolher bem os ingredientes que vão à mesa e, em alguns casos, até partir para a suplementação com comprimidos e injeções.

Todo esse processo, inclusive, deve ser acompanhado de perto por profissionais de saúde, como pediatras e nutricionistas, para evitar problemas no desenvolvimento do corpo e da mente.

"Os dois primeiros anos de vida são um período crítico, em que o cérebro e o corpo da criança se desenvolvem bastante e precisam de uma grande variedade de nutrientes", explica a médica Fabíola Suano, presidente do Departamento Científico de Nutrologia da SBP.

"Ou seja, uma carência nutricional nessa fase pode representar um risco para toda a vida", complementa.

 

A falta de alguns desses compostos que aparecem exclusivamente ou em mais abundância nos alimentos de origem animal, como a vitamina B12, o ferro e o cálcio, por exemplo, está relacionada a déficits no desenvolvimento dos ossos e dificuldades na formação de estruturas do cérebro importantíssimas para a memória, o aprendizado e o raciocínio.

Saiba a seguir quais são as principais recomendações dos especialistas e como pais e mães veganos podem garantir uma boa saúde ao filho, se desejarem mantê-lo longe de carnes, ovos, leites e afins durante a infância.

 

O documento está alinhado com a posição de outras entidades do setor, como a Associação Dietética Americana e a Academia Americana de Pediatria.

"Entretanto, por serem mais vulneráveis a desenvolver deficiência de nutrientes, [essas crianças] devem ser adequadamente monitoradas e muitas vezes suplementadas, já que o risco é proporcional à menor variedade dos grupos alimentares consumidos", aponta o texto.

Já a dieta vegana especificamente, que corta todos os produtos de origem animal, é vista com ressalvas nesses primeiros dois anos de vida.

"É preciso conversar com a família e encontrar um meio termo. Se os pais não querem dar carne vermelha, será que não seria possível preparar um peixe ou um ovo?", sugere Suano.

"Se entre os seis meses e os dois anos a criança é submetida a uma dieta totalmente vegana, ela fica com uma diversidade alimentar e nutricional muito restrita", acredita a médica.

A pediatra ressalta que esse debate está longe de chegar a um consenso, mesmo entre os especialistas da área. "Algumas entidades dizem que, sim, é possível adotar o veganismo a partir dos seis meses de vida, enquanto outras consideram a prática arriscada e contraindicada", compara.

 

"Mas há ao menos uma unanimidade entre todas as associações: a família que optar por reduzir ou cortar completamente o consumo de carne, leite e ovo das crianças deve fazer um acompanhamento muito cuidadoso."

Essa orientação está, inclusive, em materiais publicados pela Sociedade Vegetariana Brasileira.

Como qualquer tipo de estilo de vida, eliminar os ingredientes de origem animal tem vantagens e desvantagens.

Por um lado, uma alimentação desse tipo está relacionada ao consumo de menos calorias e gorduras saturadas, o que diminui o risco de quadros como obesidade e doenças cardiovasculares na infância e ao longo da vida.

O maior teor de fibras alimentares, vindas dos vegetais, também representa uma ótima notícia para o funcionamento do sistema digestivo — apesar de isso poder interferir na absorção de alguns minerais.

Por outro, a ausência de carnes, ovos e laticínios no prato representa um risco de faltarem ferro, vitamina B12, cálcio e zinco no organismo.

A grande questão, explicam os especialistas, é que alguns desses micronutrientes são mais comuns nos produtos de origem animal — frutas, verduras e legumes até carregam uma boa quantidade deles, mas a biodisponibilidade (ou a porção que nosso corpo absorve daquilo) é mais baixa.

 

É preciso considerar também que nem sempre uma dieta menos calórica ou com pouca gordura representa uma boa notícia. Afinal, as crianças precisam desses nutrientes na medida certa para crescer bem e com saúde.

Uma revisão de estudos feita no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, em São Paulo, apontou que crianças adeptas de uma dieta vegetariana tendem a ser mais baixas e magras, embora os valores médios de altura e peso delas ainda estejam dentro dos valores considerados normais.

Outra preocupação constante dos especialistas está na ausência de micronutrientes essenciais à saúde.

Um dos exemplos disso é o ferro, que constitui a hemoglobina, uma molécula presente nas células vermelhas do sangue responsáveis por transportar oxigênio para todas as partes do corpo. Ele também é essencial para a imunidade e para a fabricação dos neurotransmissores do cérebro.

A deficiência deste mineral está relacionada a "alterações do desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento do sistema imunológico e diminuição da capacidade de trabalho", lista o material da SBP.

Para garantir a presença do ferro na dieta, é possível partir para algumas estratégias simples, como deixar o feijão de molho por 12 horas. Isso diminui a presença de moléculas que afetam a biodisponibilidade desse mineral.

 

Outra ideia é consumir vegetais ricos nesse micronutriente, como lentilha, feijão e ervilha, junto com fontes de vitamina C, caso da laranja e do limão, o que aumenta a absorção do ferro pelo nosso organismo.

 

Já o cálcio, presente no leite e em alguns laticínios, é primordial para a formação dos ossos que dão sustentação ao corpo e garantem a locomoção.

Até é possível encontrar esse mineral em alguns vegetais, mas a biodisponibilidade dele também é uma barreira importante.

Para as crianças que fazem uma dieta completamente vegana, o caminho mais seguro é a suplementação do cálcio, que garante um aporte suficiente para o desenvolvimento do esqueleto.

 

A mesma recomendação vale para a vitamina B12, que só aparece nas carnes, nas vísceras e nos ovos.

Como ela é essencial para a circulação sanguínea e para a estrutura que recobre e protege os neurônios, médicos e nutricionistas prescrevem suplementos ou indicam o consumo de alimentos fortificados.

Outros micronutrientes que exigem uma atenção extra nesse contexto são o zinco, o iodo, a vitamina A, o ácido fólico, a vitamina D e o ômega 3.

Em alguns casos, será preciso reforçar o consumo de alguns alimentos fortificados ou ampliar a oferta de ingredientes de origem vegetal específicos, que trazem uma certa quantidade desses compostos.

Em outros, resta partir para a suplementação por meio de cápsulas, comprimidos e injeções.

No final das contas, uma pitada de bom senso e o acompanhamento de profissionais de saúde vai ser essencial para garantir um bom desenvolvimento da criança que faz uma dieta vegana ou vegetariana nesses primeiros anos de vida.

"Nós sabemos que o vegetarianismo e o veganismo cresceram muito nos últimos anos, seja pela busca de uma dieta mais saudável, seja pela preocupação com o meio ambiente", analisa Suano.

"E nós, como profissionais de saúde, precisamos conversar com as famílias, entender o ponto de vista delas e chegar a um meio termo satisfatório e saudável para todos os envolvidos", conclui a pediatra.

 

 

Fonte: G-1

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