Crescente nos comércios, composto lácteo pode ser confundido com leite e impactar saúde infantil
DIVERSOS
Publicado em 05/09/2022

 

Nos últimos meses, consumidores mais atentos perceberam que as prateleiras dos supermercados ganharam um novo produto: o composto lácteo. Apesar de a embalagem semelhante à do leite em pó, o item é considerado, para alguns especialistas, como um ultraprocessado que não deve ser incluído na dieta de crianças, e até mesmo de adultos.

Segundo a nutricionista Laís Amaral, integrante do Programa de Alimentos do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), o leite é um produto essencial na fase de crescimento e desenvolvimento de crianças, principalmente as de até dois anos, pois é rico em cálcio, proteínas e vitaminas fundamentais para esta faixa etária.

 

O composto lácteo, por sua vez, de acordo com o professor da USP (Universidade de São Paulo) Carlos Corassin, dispõe de duas variações: o composto sem adição, que é feito integralmente com ingredientes de origem láctea, e aquele com adição, em que, no mínimo, 51% dos componentes devem ser lácteos.

É a segunda versão do produto que preocupa especialistas, pois pode ocasionar uma perda nutricional grande, especialmente para as crianças.

“Pelo menos, mais da metade [do composto] tem que ser de ingredientes lácteos, mas os 49% restantes daquele produto podem ser constituídos por diferentes ingredientes, e aí é que está o problema maior. Ele vai poder ser acrescido de, por exemplo, açúcar, gordura vegetal, aditivos e de outros ingredientes que, muitas vezes, a gente nem tem na cozinha da nossa casa, são de uso exclusivamente industrial”, alerta a nutricionista.

Por esta característica, o composto lácteo é classificado, segundo Laís, como um alimento ultraprocessado.

A profissional alega que “se formos ver, ele é uma mistura de vários ingredientes feitos industrialmente e, de fato, não é um alimento, é uma formulação industrial”.

A nutricionista ainda reitera que as crianças estão na fase de formação do hábito alimentar, e o produto é considerado hiperpalatável, algo que estimula o consumo frequente e exagerado.

“Eles [os compostos] entram muito na dieta da pessoa em substituição a refeições saudáveis, dos alimentos in natura, preparações culinárias de fato nutritivas e saudáveis”, explica Laís Amaral.

Portanto, a criança vai formar um paladar e hábito alimentar com uma tendência para o consumo de ultraprocessados, que são extremamente danosos à saúde.

O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos, do Ministério da Saúde, avalia que os compostos lácteos não devem ser consumidos por bebês, bem como não têm de ser oferecidos a crianças (entre seis meses e dois anos) e devem ser evitados pelos adultos.

O documento alerta que os ultraprocessados contêm quantidades excessivas de calorias, sal, açúcar, gorduras e aditivos, que quando consumidas diversas vezes podem levar a problemas como hipertensão, doenças do coração, diabetes, obesidade, cárie dentária e câncer.

O composto lácteo é ruim?

Caracterizar se o composto lácteo é um produto bom ou ruim é uma tarefa difícil, pois por se tratar de um produto formulado, suas composições podem ser variadas de acordo com o fabricante e atendem a perfis e demandas diferentes.

Perante a legislação, vale ressaltar que eles seguem um processo rigoroso de qualidade, segurança e formulação. 

O engenheiro de alimentos e professor do curso de engenharia de alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Guilherme Tavares explica que é importante considerar que ele não foi criado para substituir o leite em pó.

"Muita gente fala como se fosse uma versão do leite em pó, mas, na realidade, a possibilidade da indústria produzir compostos lácteos permite diversificar os perfis de produto, as funcionalidades. Não há nenhuma má-fé, do ponto de vista da indústria, na concepção do produto", diz Tavares.

Como exemplo de diversificação, o professor aponta que a legislação não permite que o leite em pó seja acrescido de fibras – que auxiliam no combate ao colesterol, por exemplo –, mas o composto lácteo pode e possui versões com destaque à incoporação dessas substâncias.

"Estamos falando, de fato, de produtos diferentes, com destinos e perfis de consumo, talvez, diferentes", reitera Tavares.

Para ele, o composto lácteo também não deve ser considerado um ultraprocessado, porque "são produtos que passam por processamento, assim como o leite em pó passa igualmente por processamentos para transformar o leite líquido em um pó". 

O que define a qualidade do composto lácteo, de acordo com Corassin, da USP, é a formulação, pois "são produtos bem diferentes [o leite em pó e o composto lácteo], difíceis de comparar. Porém, dependendo da formulação do composto lácteo, ele pode até apresentar características nutricionais bem superiores ao leite em pó", alega o professor.

Tavares esclarece que, obviamente, existirão compostos lácteos com ingredientes não tão benéficos.

"Temos compostos que trazem amido, açúcar, como um viés, talvez, de ter um produto com um valor agregado um pouco menor, que vai, talvez, atender a uma parcela da população que, infelizmente, não consegue ter acesso ao leite em pó ou compostos lácteos com funcionalidades diferentes, como os com fibras", explica o professor.

Ele incentiva, entretanto, que os consumidores vejam as especificações disponíveis nas embalagens dos produtos antes de comprarem. 

"As informações estão lá, os rótulos apresentam as informações requeridas pela legislação. Esse tipo de comunicação com o público aumenta o entendimento por parte dos consumidores do que eles vão encontrar no supermercado".

Estratégia do produto

O professor da Unicamp alerta que é extremamente importante atentar-se ao rótulo, pois é por meio daquelas informações que o consumidor irá deduzir se aquele produto atende ou não às suas necessidades e expectativas .

No entanto, a nutricionista Laís Amaral alega que algumas empresas que produzem compostos lácteos utilizam uma estratégia de marketing enganosa, focada em manter esses produtos em embalagens parecidas com a do leite em pó, a denominada promoção cruzada.

“O consumidor tem muito de pegar carona nos produtos ‘sequenciados’ [primeiro a fórmula, depois o leite em pó e por último o composto], e a embalagem pode causar um engano ao consumidor, que acaba comprando gato por lebre”, diz a nutricionista.

E acrescenta: “você quer levar um alimento que é saudável, por exemplo, o leite em pó, e acaba comprando um ultraprocessado, e às vezes até utilizando sem perceber”.

Para fins comparativos, uma marca famosa de leite em pó cumpre a obrigatoriedade legislativa de deixar no rótulo que o composto lácteo não é leite em pó, mas dificulta a percepção dos consumidores com, por exemplo, embalagens com o mesmo design azul e branco. 

A orientação de que o produto se trata de um composto lácteo é a última frase da parte frontal da embalagem, escrita na mesma fonte do recipiente do leite em pó.

Ademais, a frase obrigatória de orientação de que o composto não é considerado leite em pó fica na parte de trás, abaixo do rótulo e sem grande destaque.

Caso o desejo do consumidor seja substituir o leite em pó por um composto lácteo da marca, a troca pode não ser tão favorável.

Quando comparamos os valores nutricionais, o composto lácteo tem 7 g de proteína, valor abaixo dos 10 g do leite em pó. A fórmula industrial também possui 31 mg a mais de sódio e 41 g a menos de cálcio, por exemplo.

Tendo isto em consideração, existem três formas de contornar essa situação: atentar-se ao nome do produto na parte inferior e frontal, consultar o rótulo com a listagem de ingredientes, para evitar aqueles com grande quantidade de aditivos, como açúcar ou gordura, e recorrer a um composto lácteo que irá suprir as necessidades da criança, sem pensar que ele é um "substituto" mais barato do leite.

*Estagiária do R7 sob supervisão de Fernando Mellis.

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