Rosa Weber: ‘Nem pela barbárie juízes do STF se sentirão intimidados’
DIVERSOS
Publicado em 01/02/2023

 

Na manhã desta quarta-feira (1º), a presidente do Supremo tribunal Federal (STF), Rosa Weber, abriu o início dos trabalhos na Corte com discurso em defesa da democracia e criticando os atos do dia 8 de Janeiro.

“ABERTURA DO ANO JUDICIÁRIO DE 2023

Senhores Ministros desta Suprema Corte, de hoje, de ontem e de sempre

Senhor Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva

Senhor Presidente do Senado e do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco,

Senhor José Sarney, ex-presidente da República que nos honra com sua presença, a quem muito deve o Brasil pela reconstrução do processo democrático, seja pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte, seja pela neutralização dos dispositivos autoritários constantes da Carta constitucional outorgada em 1969,

Senhor Procurador Geral da República, Doutor Augusto Aras,

Senhor Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Doutor José Alberto Simonetti, demais autoridades presentes, que saúdo na pessoa da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Presidente do Superior Tribunal de Justiça Servidores e servidoras do Supremo Tribunal Federal,

Profissionais da imprensa, Senhoras e senhores.

Em 12 de setembro de 2022, quando assumi, neste plenário, a Presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, expressando o desejo de que todos vissem na solenidade uma celebração da democracia e do primado das liberdades, minhas primeiras palavras foram de reverência incondicional à autoridade suprema da Constituição e das leis da República; de crença inabalável na superioridade ética e política do Estado Democrático de Direito; de prevalência do princípio republicano e suas naturais derivações, com destaque à essencial igualdade entre as pessoas; de estrita observância da laicidade do Estado brasileiro, com a neutralidade confessional das instituições e a garantia de pleno exercício da liberdade religiosa; de respeito ao dogma fundamental da separação de Poderes; de rejeição aos discursos de ódio e repúdio a práticas de intolerância enquanto expressões constitucionalmente incompatíveis com a liberdade de manifestação do pensamento; e de certeza de que sem um Poder Judiciário independente e forte, sem juízes independentes e sem imprensa livre, não há democracia.

 

Essa a minha profissão de fé como magistrada, disse eu naquele momento. Hoje, quatro meses e meio depois da minha posse como Chefe do Poder Judiciário brasileiro, nesta sessão solene, revestida de especial simbolismo, de abertura do ano judiciário de 2023, neste mesmo plenário, totalmente reconstituído após a invasão criminosa do dia oito de janeiro último por uma turba insana movida pelo ódio e pela irracionalidade, reafirmo minha profissão de fé como juíza e a ela acresço, em reforço, o que erigi como norte da atual administração desta Casa: a proteção da jurisdição constitucional e da integridade do regime democrático, ou, mais simplesmente, a defesa, diuturna e intransigente, da Constituição e do Estado Democrático de Direito.

Há três semanas o emblemático prédio histórico onde nos encontramos, as instalações do Congresso Nacional e o Palácio do Planalto, sedes dos três pilares da democracia brasileira, foram alvo de ataque golpista e ignóbil, dirigido com maior virulência contra esta Suprema Corte seguramente porque ela, ao fazer prevalecer em sua atuação jurisdicional a autoridade da Constituição, se contrapõe a toda sorte de pretensões autocráticas.

Possuídos de ódio irracional, quase patológico, os vândalos, com total desapreço pela res publica e imbuídos da ousadia da ignorância, destroçaram bens públicos sujeitos a proteção especial, como os tombados pelo patrimônio histórico, mobiliário, tapetes e obras de arte. Também em sanha deplorável estilhaçaram vidraças, espelhos e luminárias, quebraram painéis, bancadas e mármore, rasgaram retratos e livros, destruíram equipamentos digitais e de áudio e vídeo, câmeras, computadores e impressoras, engendrando um cenário de caos a provocar sentimento de profunda repulsa diante de tamanha indignidade.

Mas advirto. Não destruíram o espírito da democracia. Não foram e jamais serão capazes de subvertê-lo porque o sentimento de respeito pela ordem democrática continua e continuará a iluminar as mentes e os corações dos juízes desta Corte Suprema, que não hesitarão em fazer prevalecer sempre os fundamentos éticos e políticos que informam e dão sustentação ao Estado Democrático de Direito.

 

Que os inimigos da liberdade saibam que no solo sagrado deste Tribunal o regime democrático, permanentemente cultuado, permanece inabalável.

Frustrado restou o real objetivo dos que assaltaram as instituições democráticas: o ultraje só poderia resultar, como resultou, no enaltecimento da dignidade da Justiça, e no fortalecimento do valor insubstituível do princípio democrático, jamais no aviltamento do Poder Judiciário.

Intensa a repulsa e irrestrita a solidariedade de todos – autoridades e sociedade civil -, já nas primeiras horas que se seguiram à violência criminosa, reforçando a união dos Poderes, de todo inabalados os valores superiores da Justiça e da democracia.

Já se disse que o ser humano não é feito para a derrota.

À lembrança da travessia da Praça dos Três Poderes que fiz no dia seguinte aos hediondo ataque, desde o Palácio do Planalto até esta Suprema Corte, a convite e na companhia do Presidente da República, de Ministros da Casa e de representantes do Congresso Nacional e dos 27 entes federativos, sublinho que a Justiça também não é feita para a derrota.

Concebida em cerâmica de Petrópolis por Alfredo Ceschiatti na escultura também vandalizada que torna a parte frontal desta Corte, a Justiça sobreleva e perdura pois habita o espírito das instituições democráticas, e não a argamassa ou os tijolos de seus prédios.

As instalações físicas de um Tribunal podem até ser destruídas, mas a elas sobrepaira – e se mantém incólume -, a instituição Poder Judiciário em seu elevado mister de dizer e tornar efetivo o Direito, viabilizando a vida em sociedade, realizando o valor Justiça.

Não sabiam os agressores de oito de janeiro que o prédio-sede do Supremo Tribunal Federal, na leveza de suas linhas e na transparência de seus vidros, enquanto símbolo da democracia constitucional é absolutamente intangível à ignorância crassa da força bruta.

De todo inútil, para o que perseguiam, a destruição do patrimônio físico da Suprema Corte, que na verdade é patrimônio do povo brasileiro, é patrimônio da humanidade!

 

A inspiração que anima as estruturas concebidas pelo gênio de Niemeyer, assim como os valores que informam a atividade jurisdicional desta Casa, jamais serão atingidos ou subjugados pela barbárie, nem pela barbárie seus juízes se sentirão intimidados.

E para os que, consumidos pela fogueira da irracionalidade, tangidos pelo pérfido fanatismo ou dominados pelo fundamentalismo de sua triste visão de mundo, distorcem maliciosamente o conceito de liberdade e o próprio sentido das palavras, tão a gosto de espíritos totalitários, como na prática da novilíngua, atribuindo à destruição do patrimônio público conteúdo outro que não os de ignomínia e vergonha, digo novamente: é inútil pois mesmo que desejassem destruir mil vezes o Supremo Tribunal Federal, subsistiria incólume o sentimento de reverência desta Casa pelo Estado Democrático de Direito, e mil e uma vezes reconstruiríamos seu prédio, como fizemos agora, sem interromper um só instante o exercício da jurisdição, graças à tenacidade dos que respeitam as instituições e amam a democracia.

Tal, entretanto, advirto, não desfigura a invasão criminosa nem ameniza o ataque covarde nunca antes perpetrado contra as instalações desta Suprema Corte seja ao longo do Império seja na República.

E se alguma dúvida, ou dificuldade de compreensão, acaso esteja a pairar neste momento sobre o sentido do que estou a dizer, assevero, em nome do Supremo Tribunal Federal, que, uma vez erguida da justiça a clava forte sobre a violência cometida em oito de janeiro, os que a conceberam, os que a praticaram, os que a insuflaram e os que a financiaram serão responsabilizados com o rigor da lei nas diferentes esferas. Só assim se estará a reafirmar a ordem constitucional, sempre com observância ao devido processo legal, resguardadas, a todos os envolvidos, as garantias do contraditório e da ampla defesa, como exige e prevê o processo penal de índole democrática.

 

Tais fatos ficarão gravados indelevelmente na memória institucional desta Suprema Corte, e a eles voltaremos sempre, para que jamais se repitam. Para tanto, criamos, neste Tribunal, pontos de memória com as marcas da violência.

O busto de Rui Barbosa, o patrono dos advogados brasileiros, de relevância ímpar para esta Casa, vilipendiado neste ano de 2023 em que se rememora o centésimo aniversário de sua morte, voltou a repousar altaneiro no hall, em novo pedestal, sem a restauração do dano sofrido, cicatriz estampada no bronze como lembrança às presentes e futuras gerações de que nem os vultos ilustres desta Nação, como o grande Rui, estão imunes à malta irresponsável, em evidente demonstração de que a ignorância – que nada reconhece, nada respeita, nada provê e se volta, como algoz, em seu vazio substancial, até contra os que buscam iluminá-la -, nada mais é do que terreno infértil, incapaz de germinar as sementes de que florescem os valores fundamentais da liberdade e da democracia.

Senhoras e Senhores,

Reitero que o Estado Democrático de Direito, cerne da República, com suas ideias nucleares de liberdade e responsabilidade, nunca é uma obra completa. E a democracia, conquista diária e permanente que se aperfeiçoa por meio da evolução do Estado Democrático de Direito, a cada dia desafiado, a democracia, por ser plural, pressupõe diálogo constante e tolerância com as diferenças, em convivência pautada pelos mecanismos constitucionais de promoção, nas arenas política e social, de amplo debate para a formação de possíveis consensos, garantido o respeito às regras do jogo e assegurado a todos os cidadãos um núcleo essencial de direitos e garantias que não podem ser transgredidos nem ignorados.

Tempos verdadeiramente perturbadores de maniqueísmos e deformações inaceitáveis, que tantas divisões impuseram à comunhão nacional, exigem cuidado, atenção, resistência e resiliência das instituições, em especial do Poder Judiciário, objeto de constantes ataques.

 

Sempre oportuno enfatizar que o Supremo Tribunal Federal – guardião da Constituição não porque se arrogue este papel, e sim por expressa delegação da Assembleia Nacional Constituinte (CF art. 102) -, detém, em matéria de interpretação constitucional e considerados os objetivos precípuos do Direito de pacificação social e segurança jurídica, o monopólio da última palavra, como há mais de um século já o proclamava o grande Rui, como Senador da República, em histórico debate parlamentar com Pinheiro Machado (sessão de 29.12.1914 do Senado da República). Atua, assim, esta Corte Suprema como órgão de encerramento das controvérsias constitucionais, exercendo ainda relevantíssima função contramajoritária, que significa a salvaguarda dos direitos fundamentais, notadamente na proteção das minorias, em especial as mais vulneráveis.

Senhoras e Senhores,

Na abertura deste novo ano judiciário – consciente da grande responsabilidade e dos desafios que nos aguardam, mas com os mesmos olhos da esperança com que encerramos o ano de 2022, reitero minha confiança na competência, na qualidade do trabalho e no engajamento funcional dos integrantes do Poder Judiciário pátrio.

Os juízes e juízas brasileiros honram a toga que vestem e, mercê da sua independência e comprometimento com as instituições, são garantes da democracia em nosso país e da preservação da supremacia da Constituição da República.

Um Brasil inclusivo e igualitário, de ordem, progresso – está na nossa bandeira – e de paz, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia e comprometida com a solução pacífica das controvérsias, como orienta o preâmbulo da Constituição Cidadã de 1988, é o que almejamos.

Que possamos caminhar em 2023 com serenidade e equilíbrio, cumprindo os objetivos traçados na Carta Magna, olhos postos na entrega de prestação jurisdicional efetiva e qualificada, na coesão do Poder Judiciário, no respeito e harmonia entre os Poderes, na união e fortalecimento das instituições e na defesa do Estado Democrático de Direito consagrado no artigo primeiro da nossa Constituição!

 

Renovo minhas saudações e agradeço a todos, pela presença e pela solidariedade e, de modo muito especial, cumprimento e parabenizo os bravos, leais e dedicados servidores e colaboradores desta Casa, que, com inexcedível denodo, trabalharam incansavelmente nestas três últimas semanas para assegurar a realização desta sessão de abertura neste belíssimo e simbólico plenário, totalmente reconstituído, tal como asseverei em 08 de janeiro último que ocorreria! Sem eles, tal não seria possível!

Desejo, ainda, enfatizar, em face de sua alta significação e inquestionável relevo, a presença, sempre honrosa, nesta sessão solene de abertura do ano judiciário de 2023, do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e do Senador Rodrigo Pacheco, eminente Presidente do Senado da República e do Congresso Nacional.

O ataque criminoso e covarde que vilipendiou as instituições da República e os símbolos do Estado Democrático de Direito confere maior intensidade ao convívio necessariamente harmonioso, entre os Poderes que compõem o Estado Brasileiro, fortalecendo a comunhão nacional em torno do princípio nuclear e inderrogável que privilegia e consagra entre nós a prevalência da ideia democrática, que não pode ser transgredida nem conspurcada.

Finalmente, permitam-me relembrar o nosso grande poeta Carlos Drummond de Andrade, cujos versos exortam-nos a estabelecer um laço envolvente de união nacional:

“O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

E eu me permito completar: O futuro está à nossa frente, mas é no dia-a-dia, passo a passo, que construímos o caminho.

A escolha é nossa!

Vamos todos de mãos dadas trilhar com confiança este ano que se descortina, certos de que o Supremo Tribunal Federal continuará em permanente vigília, na incondicional defesa da supremacia da Constituição e da integridade da ordem democrática, sempre respeitando o convívio harmonioso com os demais Poderes da República, como ordena o texto constitucional!

 

Cultivando e protegendo a democracia

constitucional, fortalecendo-a internamente

com a união de todos, sem qualquer exceção, é que o Brasil pode tornar e manter real e concreto o sonho de liberdade!

Declaro aberto o ano judiciário de 2023!”

Fonte: Gazeta Brasil

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