Em carta aberta, a vinícola Aurora disse na quinta-feira (2) que está envergonhada com os acontecimentos recentes envolvendo sua relação com a Fênix Prestação de Serviços, uma das duas empresas investigadas por manter trabalhadores em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul.
Nesta sexta-feira (3), a vinícola Família Salton também divulgou uma carta à sociedade brasileira anunciando medidas tomadas pela empresa para garantir o respeito.
A Salton e Aurora eram uma das três vinícolas que tinha contrato de terceirização com uma empresa acusada de manter trabalhadores em condições desumanas e puni-los com ameaças e violência física. Ambas as empresas foram fundadas por imigrantes italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul no final do século 19.
Os trabalhadores disseram, em depoimento ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), terem ficado sujeitos a situações de agressão com choques elétricos e spray de pimenta, cárcere privado e agiotagem.
Eis a íntegra do pedido de desculpas da Vinícola Aurora:
No início do século passado, algumas famílias italianas cruzaram o Atlântico à procura de dias melhores. Nas malas, poucas peças de roupa, uma ou outra foto desbotada, muita coragem e um sonho: refazer a vida em um país estranho. A Vinícola Aurora nasceu desse sonho. Desse sonho e de muito trabalho.
O trabalho que sempre correu nas veias de nossos fundadores logo se misturou a esta terra, espalhou-se por entre os parreirais, nutriu cada planta com um inegociável senso de respeito pelas mãos que a semearam, que a colheram, que a ajudaram a ser da uva, o vinho, e a ganhar o mundo, reconhecimentos e, mais importante, ganhar um lugar à mesa e no coração dos brasileiros.
Os recentes acontecimentos envolvendo nossa relação com a empresa Fênix nos envergonham profundamente. Envergonham e enfurecem. Aprendemos com aqueles que vieram antes que, sem trabalho, nada seríamos. O trabalho é sagrado. Trair esse princípio seria trair a nossa história e trair a nós mesmos. Entretanto, ainda que de forma involuntária, sentimos como se fora isso que fizemos.
Primeiramente, gostaríamos de apresentar nossas mais sinceras desculpas aos trabalhadores vitimados pela situação. Ninguém mais do que eles trazem, nos ombros curados pelo Sol, o peso de uma prática intolerável, ontem, hoje e sempre. A testa daqueles que fazem o Brasil acontecer, todos os dias, às custas do seu suor honesto, deveria estar sempre erguida, orgulhosa, e nunca subjugada pela ganância de uns poucos. Repudiamos isso com todas as nossas forças.
Em seguida, sentimo-nos obrigados a estender essas desculpas ao povo brasileiro como um todo, não apenas como discurso, mas como prática. Já cometemos erros, mas temos o compromisso de não repeti-los. Como empresa, garantimos que a atenção a um tema que nos é tão relevante será redobrada, práticas serão revistas, e todas as garantias para que um episódio indesculpável como esse não venha a se repetir serão tomadas. Temos um longo caminho pela frente, mas todo longo caminho começa com um primeiro passo, e ele é dado agora.
Desde já estamos trabalhando em um programa robusto que deve implementar mudanças substanciais nas dinâmicas da Vinícola Aurora. Essas mudanças devem qualificar não apenas a nossa relação com todos os parceiros, na busca de obtermos controle sobre os processos como um todo, mas também nas práticas e políticas internas da empresa e quanto ao nosso papel enquanto agente econômico, social e cultural de destaque em nossa região e a responsabilidade que advém disso.
Acreditamos nos valores que queremos reafirmar para nos tornarmos dignos da confiança do Brasil mais uma vez e espalhar o seu nome aos quatro cantos do mundo, em cores vivas e pujantes e não em notas cinzas como a que atravessamos neste momento. Esperamos sair do outro lado como uma empresa melhor. Estamos aqui, com a mente e o coração abertos, a começar tudo de novo, se for preciso, como fizeram nossos antepassados ao aqui desembarcarem. Apenas, ao contrário deles, que eram pura incerteza sobre uma terra estranha, fazemos isso com a convicção de ser este um país maravilhoso que merece o melhor de nós.
Trabalho não nos assusta. Deveria ser sempre uma fonte de alegria e realização. E a Vinícola Aurora não medirá esforços para colaborar com a construção de um mundo em que o respeito, o orgulho e a realização façam parte da vida de cada trabalhador.
Sinceramente,
Cooperativa Vinícola Aurora
Eis a íntegra do pedido de desculpas da Vinícola Salton:
Bento Gonçalves, 02 de março de 2023
Em meio às notícias divulgadas, recentemente, sobre casos de trabalho análogo à escravidão na região de Bento Gonçalves (RS), nós, líderes da Vinícola Salton, nos expressamos, publicamente, para esclarecer os fatos que envolvem o nome da nossa empresa.
Em primeiro lugar, a Salton repudia, veementemente, qualquer ato de violação dos direitos humanos e expressa, também, seu repúdio a todas e quaisquer declarações que não promovem a pacificação social.
Não adotamos e nem adotaremos uma posição omissa. De imediato, tomamos medidas internas que dizem respeito à melhoria do trabalho em toda nossa cadeia produtiva. Podemos listar ações que estão sendo intensificadas e outras que serão desempenhadas com a urgência que a gravidade do tema demanda:
- Revisão de todos os processos de seleção e contratação de fornecedores, com implantação de critérios mais rigorosos e que coíbam qualquer tipo de violação aos dispositivos legais, incluindo direitos humanos e trabalhistas;
- Estruturação de um cronograma para a realização de auditoria sobre práticas trabalhistas junto aos fornecedores e prestadores de serviços de forma recorrente e sistematizada;
- Contratação de auditoria independente externa para certificar as práticas de responsabilidade social;
- Ampliação e divulgação de nossos canais de denúncia e ampla disseminação de nossos códigos de conduta e ética em nossa cadeia produtiva;
- Adesão ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Adotaremos, ainda, medidas complementares a partir de novas recomendações de entidades públicas, privadas e órgãos fiscalizadores.
Para melhor elucidar o contexto dos acontecimentos, esclarecemos que o período de safra da uva é dinâmico, exigindo, por vezes, contratações urgentes para um curto período. Este ano, no mês de fevereiro, precisamos recorrer à contratação terceirizada de 14 profissionais para a descarga de caminhões de uva.
Ao tomarmos ciência do gravíssimo resgate ocorrido nas dependências da empresa prestadora de serviço, suspendemos imediatamente o contrato de trabalho. Além disso, em total colaboração com o Ministério Público do Trabalho, fizemos depósitos para o pagamento do fornecedor, visando a garantia das verbas rescisórias e retorno dos trabalhadores a seus lares.
Somos uma empresa de 112 anos, cujo legado foi construído por milhares de trabalhadores que sempre foram tratados com respeito e lealdade. Acreditamos na sustentabilidade e na valorização das relações humanas como premissa de negócio.
Em nome da transparência e integridade, há anos, disponibilizamos para todos os públicos nosso Canal de Ética (https://www.contatoseguro.com.br/familiasalton | 0800 800 4545 ou pelo aplicativo) para receber denúncias, anônimas ou não, para averiguar qualquer tipo de conduta que não esteja de acordo com os nossos valores ou com as leis vigentes.
A Salton segue colaborando com as autoridades e reforçou o seu compromisso, solidariedade e colaboração junto ao Ministério Público do Trabalho. Reiteramos nossos valores sociais e éticos e nosso compromisso de trabalhar, incessantemente, na melhoria contínua e na implementação de ações para que ocorrências lastimáveis como esta não se repitam.
Atenciosamente,
Família Salton
Entenda o caso
Em 22 de fevereiro, uma ação conjunta entre a Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 206 trabalhadores que enfrentavam condições de trabalho degradantes em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.
O resgate se deu depois que três trabalhadores que fugiram do local e entraram em contato com a PRF, em Caxias do Sul (RS), e realizaram o relato.
Atraídos pela promessa de salário de R$ 4.000, os trabalhadores disseram enfrentar atrasos nos pagamentos dos salários, violência física, longas jornadas de trabalho e oferta de alimentos estragados.
Fonte: Gazeta Brasil