Desesperado, Henrique Meirelles diz que Lula tá igual a Dilma: “o Brasil corre grande risco”
DIVERSOS
Publicado em 03/05/2023

 

Há 20 anos, quando assumiu a Presidência da República pela primeira vez, Luiz Inácio Lula da Silva comprou briga com amplos setores do PT ao escolher o banqueiro Henrique de Campos Meirelles para assumir o comando do Banco Central (BC).

 

Duas décadas depois, já distante da órbita petista após ter sido ministro da Fazenda de Michel Temer (2016-2018) e secretário da Fazenda de São Paulo na gestão de João Doria (2019-2022), Meirelles declarou apoio à candidatura de Lula no segundo turno da eleição presidencial, contra Jair Bolsonaro (PL).

Passados quatro meses do novo governo, o ex-chefe do BC, hoje aos 77 anos, vê com preocupação a condução da economia. Para ele, Lula optou por seguir uma linha semelhante àquela adotada por Dilma Rousseff, que governou o país de 2011 a 2016, até ser afastada do cargo por impeachment, em vez de reeditar a política de seus dois mandatos anteriores.

 

“O Lula começou a anunciar, logo depois da eleição, uma política na linha do que foi o governo da ex-presidente Dilma, que levou o Brasil a uma recessão muito grande. É um risco que corremos”, alerta Meirelles, em entrevista ao Metrópoles.

Meirelles lamenta a decisão do governo de acabar com o teto de gastos – implementado sob sua gestão na Fazenda, em 2016 – e vê problemas no projeto do novo arcabouço fiscal. Para ele, o modelo é “complexo”, “de difícil execução”, e depende de um aumento significativo da arrecadação para se viabilizar.

Nesta entrevista ao Metrópoles, Meirelles defende uma reforma administrativa, critica eventuais mudanças na Lei das Estatais e afirma que o bombardeio do governo Lula sobre a gestão do presidente do BC, Roberto Campos Neto, dificulta a queda dos juros.

“O BC está fazendo um trabalho correto, adequado. Esse barulho todo é até compreensível do ponto de vista político, mas é negativo no aspecto econômico e de política monetária”, afirma.

Leia os principais trechos da entrevista concedida por Henrique Meirelles ao Metrópoles:

Nos últimos dias, o presidente Lula voltou a criticar o Banco Central pela taxa básica de juros em 13,75% ao ano. A autoridade monetária anuncia nesta quarta-feira (3/5) sua decisão sobre a Selic. Como o senhor avalia as críticas do presidente da República ao BC?

Esse embate dificulta a diminuição da taxa de juros pelo Banco Central. No momento em que há esse confronto, há um aumento na expectativa de inflação e isso força a autoridade monetária a manter a taxa de juros elevada. O Banco Central está fazendo um trabalho correto, adequado. Esse barulho todo é até compreensível do ponto de vista político, mas é negativo no aspecto econômico e de política monetária. Aumenta a expectativa de inflação, gera mais insegurança e dificulta o trabalho de controlar a inflação. Portanto, dificulta o corte de juros.

O que o senhor achou do novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo?

O arcabouço fiscal é uma versão bem mais flexível do teto de gastos. Com o teto, havia simplesmente uma limitação dos gastos à inflação do ano anterior e ponto final. Quando respeitado, sem emendas constitucionais que permitissem algumas alterações, o teto estava levando a uma diminuição da relação dívida/PIB e, consequentemente, a uma redução das despesas primárias em relação ao PIB. O arcabouço é procíclico, ou seja, teremos um gasto maior quando houver uma expansão maior da arrecadação. Isso já causa um certo desequilíbrio. As contas, de fato, não fecham, a não ser que haja um aumento de receitas de pelo menos R$ 150 bilhões por ano. É um número bastante otimista.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dito que pretende abrir a “caixa-preta” das renúncias fiscais para obter a arrecadação necessária e colocar o arcabouço de pé. É possível?

O que eles estão tentando buscar de qualquer forma é aumentar a receita. Apostam em diminuir os benefícios fiscais, mas sabemos que essa é uma questão muito complicada. Temos baixa produtividade da economia brasileira e uma complexidade tributária muito grande. Há diversos setores industriais que só se tornam competitivos com a atual taxação, que alguns chamam de benefício porque é menor do que a taxação de outros setores. Quando você diminui o eventual benefício ou aumenta a taxação, pode transformar esse setor em não competitivo internacionalmente. Isso pode até acabar diminuindo a arrecadação por causa da queda de atividade. Para poder gastar mais, não há dúvida de que pode haver uma série de problemas.

Comparado ao teto de gastos, o arcabouço não é muito confuso, difícil de entender?

Uma das grandes vantagens do teto de gastos é que ele é claro, direto, objetivo. O teto, basicamente, forçava a aprovação de reformas que levassem à diminuição de despesas. Não há dúvida de que a reforma da Previdência, por exemplo, só aconteceu por causa do teto. Com o teto, não era possível continuar com as despesas previdenciárias subindo como estavam subindo porque aquilo tiraria espaço das demais despesas. A próxima reforma seria a administrativa, com o corte de despesas e o fechamento de empresas que já não têm mais necessidade de existir. Agora, com o arcabouço, você cria uma série de exceções, o que gera uma complexidade muito grande. Tem uma série de isenções de setores que estão fora da regra… Em resumo, é um critério muito complexo e de difícil execução.

O governo tem voltado suas atenções para o arcabouço fiscal e a reforma tributária, mas não se fala em uma reforma administrativa. Ela também não seria importante para reduzir o gasto público?

A reforma administrativa seria fundamental. O problema é que não há muito interesse em diminuir o gasto público. Por isso, está se falando em um arcabouço mais flexível que o teto, em que se pode gastar mais, tirando diversas despesas desse controle para aumentar a arrecadação. É exatamente porque não há essa disposição de corte de despesas. Só com a reforma administrativa, você poderia fazer um corte de despesas acima de R$ 150 bilhões. Seria o caminho correto para atingir o equilíbrio fiscal. E seria esse o caminho para o qual o teto conduziria o país, inevitavelmente. Faríamos uma reforma administrativa para que as despesas pudessem caber dentro do teto.

O senhor apoiou Lula no segundo turno das eleições de 2022. Sente-se decepcionado pela decisão do governo de acabar com o teto de gastos e pelos sinais emitidos até aqui na economia?

No dia em que fiz a manifestação de apoio, e o presidente Lula estava presente, eu disse muito claramente que estava fazendo aquilo porque eu tinha a expectativa de que ele fosse repetir o seu primeiro mandato, que foi muito bem sucedido. Se você somar o primeiro e o segundo mandatos do Lula, tivemos um crescimento médio de 4%. O Brasil gerou 10 milhões de empregos. Quarenta milhões de brasileiros deixaram a linha da pobreza. Eu tinha a expectativa de que o Lula fosse repetir aquilo que tinha feito no primeiro mandato. Na realidade, ele começou a anunciar, logo depois da eleição, uma política na linha do que foi o governo da ex-presidente Dilma, que levou o Brasil a uma recessão muito grande. E é um risco que corremos.

O governo Lula quer mudar trechos da Lei das Estatais e alguns setores do PT defendem a revisão de pontos da reforma trabalhista, além de alterações já feitas no marco do saneamento. O senhor teme que o país ande para trás com essas mudanças?

Sim. Seria um retrocesso muito grande. A Lei das Estatais foi muito importante para trazer maior profissionalização e eficiência à administração das estatais. A reforma trabalhista também foi muito importante. Ela precisa ser aperfeiçoada, precisa de avanços, porque hoje nós temos os entregadores do comércio eletrônico e novas profissões que precisam ser reguladas, mas tudo isso foi um avanço muito grande na economia. Agora estão tentando voltar atrás, inclusive por alguns interesses mais paroquiais ou questões políticas. Mas é importante lembrar que qualquer mudança tem de passar pelo Congresso. Espero que não haja esse recuo nos termos em que está se falando. Costumo dizer que há o discurso e o fato. O discurso, realmente, está muito ruim. Mas o fato, às vezes, é um pouco melhor que o discurso. Precisamos ter segurança e todos trabalharmos para que não ocorram esses retrocessos, que seriam muito ruins para a economia brasileira.

Metrópoles

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