A cerca de 1.600 quilômetros do Rio Grande do Sul, onde 157 pessoas morreram e mais de meio milhão ficaram desalojadas em virtude das enchentes provocadas por chuvas extremas, São José da Lapa, na região Central de Minas Gerais, também se recupera das inundações que afetaram o município em janeiro deste ano. Em outro ponto do Estado, na região Norte, o problema é com a seca. Capelinha ainda convive com os impactos deste fenômeno que atingiu o município em dezembro de 2023. Foram 10 mil pessoas afetadas, sendo que 3,5 mil só conseguiram ter acesso a água por causa de caminhões pipa. Essas realidades são apenas um recorte de um grupo de 437 cidades de Minas que convivem com risco elevado de tragédias ambientais, seja pelo calor ou pela chuva. Ou seja, mais da metade dos municípios mineiros estão vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
"A natureza está sempre em busca do equilíbrio da temperatura. Se você tem esse aquecimento abrupto, pela emissão de gases de efeito estufa ou pelo desmatamento, a estabilidade vai se dar com esses fenômenos extremos", alerta a meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Anete Fernandes. De acordo com a especialista, esses fenômenos se intensificaram a partir da década de 90 e não estão mais restritos a regiões específicas. "Antigamente, quando tinha uma imagem de solo quebrado, a gente associava ao Nordeste. Porém, tivemos algo semelhante em 2014, na represa de Três Marias, no Triângulo Mineiro. Hoje é um problema global", completa.
O estudo que indica a quantidade de cidades vulneráveis às mudanças climáticas foi desenvolvido pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Conforme o levantamento, são 82 municípios com vulnerabilidade extrema, 115 com muito alta e 240 com alta. Outras 320 cidades foram avaliadas com risco moderado e 94 com relativamente baixo. Dois municípios não foram citados no estudo. O indicador serve como referência para ações de enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas para o governo do Estado.
Segundo o estudo, a vulnerabilidade ocorre por causa do crescimento populacional desordenado, da pobreza e da degradação ambiental. Essa classificação leva em conta questões como capacidade de adaptação em casos de eventos climáticos extremos, infraestrutura do município, nível de letramento da população como agente ativo na redução dos danos, recursos disponíveis para investimentos em ações de mitigação, entre outros.
"Nossa cidade foi construída em um Vale, por isso temos muitas áreas de risco. Sempre tivemos muitos problemas com inundações e enxurradas, mas no ano passado o problema foi a seca", conta a coordenadora da Defesa Civil de Capelinha, Karine Martins. Uma realidade semelhante à de São José da Lapa. "Nós temos muitas famílias vivendo às margens dos córregos, principalmente do Carrancas. Quando tem uma chuva mais intensa, ficamos em alerta por causa dessas famílias", completa o secretário de Meio Ambiente do município, Iani Assis.
As duas cidades, que possuem vulnerabilidade extrema às mudanças do clima, já decretaram situação de emergência por causa dos fenômenos naturais. São eventos como seca, estiagem, calor e chuva intensa que fizeram a situação de calamidade pública mais que dobrar no Estado durante a última década. De acordo com o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, do Governo Federal, foram 186 decretos de emergência em 2013 e 465 em 2023 — o que representa um aumento de 150%.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) afirma que monitora a situação de vulnerabilidade das cidades em relação aos efeitos da mudança do clima. Para tal, desenvolveu o Plano de Ação Climática de Minas Gerais (PLAC-MG), que conta com 28 ações. Essas iniciativas buscam mitigar as emissões de gases de efeito estufa e adaptar os municípios para que estes se tornem resistentes aos fenômenos extremos. O Estado, no entanto, não informa qual o valor investido em programas relacionados às mudanças climáticas.
"É fundamental que o poder público tenha o PLAC, o clima já mudou, é uma realidade. Essa agenda climática conversa com a agenda da saúde. As cidades precisam ter mais verde e investir na preservação dessas áreas", destaca o diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luiz Fernando Pinto. Segundo ele, o desmatamento ajuda a justificar a condição de vulnerabilidade dos municípios mineiros e o aumento de decretos emergenciais na última década. "O desmatamento gera emissão de gás de efeito estufa e acentua o problema. Cortando floresta, estamos diminuindo a capacidade de resistir a esses eventos", explica.
Fonte: Jornal O Tempo