Com 16 suicídios de PMs, Minas alcança SP, Estado com efetivo duas vezes maior
MINAS
Publicado em 23/05/2024

 

Em um intervalo de poucas horas, nessa terça-feira (21 de maio), dois sargentos da Polícia Militar (PMMG) tiraram a própria vida dentro de batalhões da corporação em cidades mineiras. As mortes de um único dia já representam 12,5% do total registrado em 2022, quando 16 policiais militares se suicidaram no Estado. O número, repassado com exclusividade a O TEMPO pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, representa um aumento de 50% na comparação com o ano anterior (quando foram registradas oito ocorrências do tipo). Os suicídios aconteceram em meio à mobilização das forças policiais de Minas Gerais, que reivindicam reajuste salarial e melhores condições de trabalho. Fontes que representam a categoria afirmam que o não cumprimento das solicitações é uma das causas de um adoecimento mental que vem crescendo entre militares, policiais civis e policiais penais. O governo de Minas garantiu que “acompanha de perto os dados sobre saúde mental e eventuais casos de suicídios nas  respectivas tropas”. O Estado disse ainda que atua de forma preventiva para zelar pela qualidade de vida de todos os servidores estaduais.

 

Até 2023, Minas Gerais era o único Estado brasileiro a não divulgar os dados referentes às mortes de policiais por suicídio para o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o que mudou neste ano. Entretanto, o dado, repassado apenas pela PM, foi informado somente após a publicação do documento e, por isso, foi comunicado nessa quarta-feira (22 de maio) a O TEMPO pelo Fórum. Em 2021, foram oito suicídios de PMs no território mineiro. Com os 16 autoextermínios do ano seguinte, Minas Gerais “empatou” com São Paulo — Estado que conta com cerca de 80 mil policiais militares, um número mais de 120% maior que os cerca de 36 mil agentes que integram o efetivo da PMMG em 2024.

Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, considerou positiva a postura da polícia mineira de, finalmente, divulgar os dados, que, agora, poderão auxiliar na elaboração de políticas públicas para amenizar o problema. “É um tabu falar sobre o assunto, mas é necessário, especialmente na medida em que a gente vê que as organizações policiais estão apresentando cada vez mais casos de suicídio. Temos que lembrar que é uma profissão com tantas particularidades, como, por exemplo, o fato de ter a arma de fogo como instrumento de trabalho, sem falar do fato de lidarem diariamente com a violência. Isso tudo coloca o policial com um risco maior de suicídio do que o restante da população”, pondera a estudiosa da segurança pública.

“Estamos sem voz”, desabafou à reportagem de O TEMPO um policial militar da região metropolitana de Belo Horizonte. Sob anonimato, ele confidenciou situações que ocorrem dentro do batalhão que ele considera “uma afronta aos direitos humanos”. Para o militar, a condição hierárquica na carreira de polícia é propícia a abusos facilmente encobertos. “Nos últimos tempos, estamos sofrendo todo tipo de pressão, principalmente agora, por causa do pleito salarial. Então, os superiores se valem do regulamento para pisotear quem está em posições inferiores”, lamenta.

 

Rixa entre praças e oficiais

O militar relata que existe uma rixa entre os policiais praças e os oficiais, uma vez que o segundo grupo pode dar ordens ao primeiro mesmo com menos de um ano de experiência. “O oficial é formado para comandar. O soldado é formado para executar a missão. A remuneração, inicialmente, é o dobro para quem é oficial (em comparação com os praças), e essa diferença aumenta ainda mais no final da carreira”, conta. Para o policial, essa disparidade nas carreiras abre brecha para abusos. “Apesar de existir previsão legal para reclamar de superior, na prática, não funciona. Quem ousa questionar é mais perseguido ainda”, continua.

O militar chega a afirmar que os problemas começam ainda no curso de formação, no qual ocorre, segundo ele, “todo o tipo de arbitrariedade”. E diz lamentar assistir ao próprio adoecimento e ao dos colegas. “Perseguições, assédio moral. Se você adoece, tem tratamento diferenciado, é segregado. Fui vítima de uma perseguição, e me ‘puniram’ com uma transferência de batalhão. Nos últimos tempos, tivemos um número considerável de baixas”, relata.

Minas tem três centros de atenção biopsicossocial

Procurado pela reportagem, o governo de Minas informou por nota que, entre as políticas executadas, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), por meio da Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor (DAS), “desenvolve ações de acolhimento biopsicossocial — abordagem multidisciplinar que considera as dimensões biológica, psicológica e social do indivíduo”. “Os atendimentos aos servidores da Sejusp acontecem em todo o Estado, de forma remota ou presencial, em um dos Centros de Atenção Biopsicossocial”, completou.

 

Até agora, Minas conta com três desses centros, em BH, Montes Claros e Uberlândia. O primeiro deles foi inaugurado em 2021, há três anos, e outras três unidades, em Unaí, Juiz de Fora e Pouso Alegre, estão previstas para serem abertas a partir de 2025. Para a coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Juliana Martins, este número ainda é insuficiente.

“Essa ajuda precisa vir junto com outros tipos de atitudes, outros projetos das instituições. Não adianta você submeter esses profissionais a escalas extenuantes de trabalho, humilhações, perseguições e condições de trabalho que não são adequadas. Não adianta termos um policial que precisa de ajuda e que não é ouvido, que não é escutado por conta, muitas vezes, da questão da hierarquia militar, que dificulta esse diálogo”, completa Juliana.

Já especificamente sobre a PM, o governo de Minas pontuou que a corporação promove, anualmente, o Programa de Saúde Ocupacional do Policial Militar (PSOPM), que tem como objetivo a promoção e cuidado com a saúde integral dos policiais militares da ativa, com avaliações de saúde nas áreas médica, odontológica e psicológica.

 

“A Polícia Civil de Minas Gerais, por sua vez, disponibiliza o Centro de Psicologia do Hospital da Polícia Civil (HPC), que oferece atendimento psicológico clínico, por meio de sessões presenciais e também por teleconsulta, para servidores da ativa, aposentados e dependentes, da capital e do interior do Estado”, completou. A unidade conta ainda com um plantão psicológico, sem agendamento, que pode ser feito por meio do WhatsApp, pelo número (31) 99807-9670. Mais informações sobre o serviço podem ser encontradas na rede social da Polícia Civil

 

Fonte: Jornal O Tempo

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