PRF anula processo que inocentou agente e reabre apuração de assédios contra seis mulheres em MG
MINAS
Publicado em 19/07/2024

 

A Corregedoria-Geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) anulou e reabriu, nesta quinta-feira (18 de julho), o processo interno que, em 2023, inocentou um inspetor lotado na Superintendência de Minas Gerais após denúncias de seis mulheres por assédios morais e sexuais. Em junho deste ano, O TEMPO divulgou uma série de reportagens trazendo detalhes das denúncias das vítimas, entre elas uma adolescente de 16 anos, além de irregularidades na apuração, como, por exemplo, o fato de a comissão que julgou o caso ter sido formada apenas por homens.

A reportagem teve acesso à decisão administrativa, publicada nesta quinta e assinada pelo corregedor-geral da corporação, Vinícius Behrmann Bento. Para tomar a decisão, o corregedor disse ter considerado, ainda, os depoimentos de parte das vítimas durante audiência pública promovida na última semana na Câmara dos Deputados

Bento chegou a confirmar que as provas "não eram suficientes" e se mostravam "contrárias às conclusões adotadas". "Decido anular o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e, em especial, a Decisão Administrativa, promovendo-se a reabertura da instrução, eis que, considerando o que consta dos presentes autos, verifico neste momento que as provas constantes dos autos não eram suficientes para o julgamento, bem como se mostravam manifestamente contrárias às conclusões adotadas no Termo de Instrução e Indiciamento", escreveu. 

No documento, o corregedor-geral também ordena a reinstauração do procedimento interno contra o inspetor, além de estipular que, dessa vez, o novo colegiado que fará o julgamento do caso seja "necessariamente integrado por ao menos uma servidora do gênero feminino". 

Por fim, a Decisão Administrativa determina que o policial acusado pelas mulheres "não realize atividades de forma presencial" na sede da PRF em Minas até a conclusão do processo, para "resguardar os direitos fundamentais das vítimas". O superintendente regional deverá, agora, realocar o servidor em outra unidade. Até então, o inspetor era mantido em um cargo na Superintendência Executiva da PRF de Minas Gerais, um dos setores no topo da hierarquia da corporação.

A "impunidade" e o fato do acusado estar utilizando o procedimento interno para processar parte de suas vítimas na Justiça comum, acabou motivando uma Carta Aberta, feita por mulheres da corporação. Até esta quinta, o documento que cobra mudanças nas políticas contra assédios na PRF já totalizava mais de 900 assinaturas. 

A reportagem procurou a assessoria de imprensa da PRF, que confirmou a anulação do processo que inocentou o policial."A PRF reabriu o PAD, nesta quinta-feira (18), com base em procedimento interno aberto de ofício pela instituição, em 29 de maio de 2024, para apurar novas denúncias repercutidas por veículos de comunicação e redes sociais, além de relatos feitos em audiência pública na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF)", escreveu. 

"A Corregedoria-Geral da PRF designou novo colegiado para apurar os fatos, cuja composição contará obrigatoriamente com a atuação de pelo menos uma policial rodoviária federal. O servidor citado no PAD foi afastado do trabalho presencial para preservar os direitos fundamentais das denunciantes até a conclusão do processo", concluiu a corporação.

"Me dá esperança", comenta uma vítimas

Após receber a notícia da anulação e reabertura do procedimento contra o seu assediador, uma das seis vítimas — que não será identificada — conversou com O TEMPO e disse ter ficado "emocionada" e "incrédula", apesar desse ter sido justamente o objetivo das mulheres ao denunciarem o caso.

"Foi um erro grotesco e que causou muitos danos para todas nós, por termos que reviver esse processo. Mas, a partir do momento que a corregedoria e a PRF assumem que houve alguma falha no processo, e que ela vai investigar o processo novamente, isso me dá uma esperança muito grande de que as coisas podem começar a mudar, que os órgãos podem começar a olhar com mais seriedade as denúncias de assédio, de abusos, a maioria das vezes sofridos por nós mulheres", disse. 

Ainda segundo ela, as vítimas não desejam que o policial denunciado seja punido, mas, apenas, terem suas vozes ouvidas e respeitadas pelos órgãos de controle. "Mas não espero que a PRF olhe apenas para o nosso caso, espero que olhe para todas as mulheres, pois não fomos as únicas que tiveram o processo mal analisado, são vários os casos. Espero que a polícia atue com integridade e que os órgãos de controle externo atuem com mais rigor, para que esse tipo de conduta seja cada vez menos cometido, que os assediadores tenham vergonha e pensem antes de cometer um assédio", finaliza. 

A reportagem procurou o Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais no Estado de Minas Gerais (SINPRF-MG), mas, até o momento, a entidade ainda não se manifestou sobre a reversão da decisão interna da PRF.

Defesa do policial diz que reabertura do caso é "ilegal"

Por meio de uma nota, a advogada Izabella Rocha Rinco, que representa o policial rodoviário federal alvo das denúncias de assédio, chamou de "ilegal e violadora" a decisão da Corregedoria-Geral de anular e reabrir a apuração das denúncias contra o inspetor. 

"A pressão popular venceu a legalidade e o respeito ao devido processo legal, incidindo em decisão manifestamente ilegal e violadora. A defesa assegura que o feito será tratado na completa rigidez da lei, como feito em 2018. A exposição do PRF tem sido completamente inadequada", escreveu a defensora. 

Leia o texto completo: 

"Evidente se faz a completa inadequação da reabertura do processo deflagrado contra o ex-chefe de gabinete da PRF/MG, em meados de 2018. A pressão popular venceu a legalidade e o respeito ao devido processo legal, incidindo em decisão manifestamente ilegal e violadora. A defesa assegura que o feito será tratado na completa rigidez da lei, como feito em 2018. A exposição do PRF tem sido completamente inadequada. A suposta revitimização somente foi sentida após processos indenizatórios. Quantas vezes processos já transitados em julgado terão que ser reabertos, em verdadeira caça as bruxas, para adequar interesses. Da mesma forma que o devido processo legal foi respeitado pela defesa, novamente essa será a conduta adotada"

 

Fonte: Jornal O Tempo

 

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