Dia após dia, números assustadores de mortos e contaminados pela Covid-19 no país são engrossados por dados que apontam o alto poder destrutivo da pandemia sobre as atividades econômicas. Segundo a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), divulgada ontem pelo IBGE, em abril, primeiro “mês cheio” de efeitos das restrições impostas pelo novo coronavírus, as vendas do setor varejista brasileiro tiveram recuo de 16,8% em relação a março – maior índice negativo desde o início da série histórica, em 2000. Em Minas, o tombo também foi recorde: 14,6%, no mesmo comparativo.
Paralelamente, estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) aponta perdas nos segmentos representados de R$ 200,7 bilhões entre 15 de março e 6 de junho. “Essa perda corresponde ao varejo ampliado (que inclui as atividades de veículos e material de construção) e equivale a mais de um mês inteiro de vendas. Por mês, o varejo ampliado fatura cerca de R$ 190 bi”, comparou o economista Fabio Bentes, responsável pelo estudo da CNC.
Para o Estado, ainda não foi feito o cálculo da parcela do prejuízo nacional. Contudo, levando-se em conta números anteriores, calculados até o início de maio pela mesma CNC - segundo os quais Minas havia perdido R$ 10 bi dos cerca de R$ 125 bi negativos registrados em todo o país -, a cota deve ficar próxima de 10% do último montante (ou algo em torno de R$ 20 bilhões).
Na comparação entre as vendas de abril deste ano e de abril de 2019, em Minas, conforme o IBGE, apenas hipermercados e supermercados apresentaram variação positiva (5,9%). Já as maiores quedas foram nos setores de outros artigos de uso pessoal e doméstico (- 63,9%), tecidos, vestuários e calçados (-54,7%) e móveis (-50,6%). No varejo ampliado, destacaram-se pelas perdas os segmentos de veículos, motocicletas, partes e peças (-43,1%) e de material de construção (- 13,3%).
Para o economista Guilherme Almeida, da Fecomércio-MG, tais resultados refletem dois problemas ligados à Covid-19. De um lado, o fato de muitas lojas terem ficado impossibilitadas de funcionar – caso das que vendem roupas, ainda fechadas em BH. De outro, os impactos das quedas de empregos, renda e confiança do consumidor.
“Em períodos de deterioração dos indicadores do trabalho e de baixa confiança, as famílias tendem a priorizar consumo de bens de primeira necessidade. A aquisição de outros itens, o que inclui ainda os bens duráveis, como móveis (recuo de 40,7% em Minas) e eletrodomésticos (-33,3%), é postergada”, explica.
Loja de BH, do setor mais atingido, faturou ‘zero’ por 2 meses
Integrante do segmento que apresentou maior recuo de vendas do comércio mineiro em abril (-63,9%), segundo o IBGE – o de “outros artigos de uso pessoal e doméstico”, que inclui, por exemplo, brinquedos, joalherias, instrumentos musicais e louças –, a tradicional Brinkel, no bairro Padre Eustáquio, Noroeste de BH, ficou aquele mês inteiro e, praticamente, todo o seguinte fechada.
“Baixamos as portas por causa do decreto municipal de restrição ao comércio em 20 de março e só reabrimos em 25 de maio. O faturamento foi zero nesse tempo todo”, conta o proprietário da loja, prestes a completar três décadas de existência, Altair Rezende, de 65 anos. “O que reduziu um pouco o prejuízo foi a MP que me autorizou a suspender temporariamente os contratos dos 11 funcionários, além das renegociações que fiz do aluguel, com redução de 50%, e com dois prestadores de serviço”, acrescenta.
Com a retomada do negócio há pouco mais de três semanas, valendo-se da aplicação de regras como a limitação do número de clientes na loja e o fornecimento de mascaras aos colaboradores, Rezende diz que as vendas estão surpreendendo. “Acho que isso se explica por dois motivos: a demanda reprimida enquanto não estávamos funcionando e o fato de os shoppings tradicionais, nossos concorrentes, permanecerem fechados”, afirma.
De acordo com o economista Guilherme Almeida, da Fecomércio-MG, o caso da Brinkel ilustra bem o fato de que, para a maior parte dos comerciantes, até o momento, a única ação efetiva do poder público para amenizar as perdas do setor em razão da pandemia foi mesmo a MP 936. Trata-se do instrumento que possibilitou as reduções salariais e suspensões contratuais dos trabalhadores.
Já a tão aguardada concessão de créditos com condições especiais para micro, pequenos e médios empreendedores, que teve diversas linhas anunciadas pelo governo federal, continua com apresentando entraves.
“Um dos obstáculos vinha sendo a falta de garantias para que as instituições financeiras concedessem as linhas de financiamento. Medidas para corrigir isso tiveram início, como a criação do Pronampe, que avaliza em 100% a liberação do crédito”, ressalta Almeida. “O problema é que, mesmo assim, lojistas sem impedimentos que explicassem uma eventual recusa dos bancos têm relatado dificuldades para conseguir recursos. Seguimos acompanhando a situação”.
Fonte: Hoje em Dia