O governo federal publicou, ontem, a Medida Provisória (MP) nº 1.006, que amplia de 35% para 40% a fatia dos benefícios de aposentados e pensionistas do INSS que pode ser comprometida com empréstimos consigna dos. A intenção do governo é boa: com a mudança, segundo o Palácio do Planalto, aumenta-se a oferta de crédito em momento de emergência, com o país ainda sob os efeitos econômicos da pandemia, e permite-se que pessoas já endividadas tenham acesso a consignados com juros menores.
Na prática, contudo, a medida deve incentivar, ainda mais, o chamado super endividamento entre integrantes de um público que, em sua maioria, não tem que como sobreviver com parcelas tão altas de renda abocanhadas mensalmente pelos bancos. “Essa margem de 40% é extremamente onerosa e prejudicial àquele aposentado e pensionista de baixa renda”, diz a advogada Lilian Salgado, presidente do Instituto de Defesa Coletiva e especialista no assunto.
“Hoje, cerca de 80% dessa população no país recebe até dois salários mínimos. Segundo a Confederação Nacional dos Aposentados e Pensionistas, 40% deles já se encontram super endividados. Ou seja, se essas pessoas estão em dificuldades sérias agora e sem conseguir garantir uma subsistência digna com um ou dois salários, que dirá com 40% a menos”, acrescenta.
Novos limites
Aposentados e pensionistas do INSS podem requerer, atualmente, consignados que gerem pagamentos mensais (retidos pelos bancos) de até 35% do benefício depositado em suas contas, mais 5% para uso de cartão de crédito na modalidade “saque”. Com a ampliação, os empréstimos poderão pegar até 40% do valor do benefício, mais 5% para uso d o mesmo cartão – totalizando 45% de desfalque.
Também hoje, o parcelamento da dívida é feito em até 72 meses, mas, com a MP, o prazo passa a 84. Surge, aí, mais uma possível cilada, segundo Lilian Salgado. “É importante ressaltar que, de acordo com o IBGE, o aposentado que recebe até um salário só consegue comprometer 5% da renda com dívidas. Com as novas regras, além de o limite permitido multiplicar o percentual por oito, a pessoa pode ficar atrelada ao compromisso por até sete anos”, afirma ela.
Hoje, 40% dos aposentados e pensionistas que recebem até dois salários mínimos estão muito
endividados
Novas facilidades devem aumentar assédio de bancos e a quantidade de clientes seduzidos
Também dedicado ao tema, o advogado Jiuliardi Ziviani destaca que a MP do governo deve atiçar ainda mais a sanha dos bancos em relaçao ao segmentos dos advogados e pensionistas.
Segundo ele, mesmo com uma série de decisões judiciais contrárias a práticas adotadas já há alguns anos pelas instituições – como a de assediar tal público, por telefone ou pela Web, com atraentes propostas de empréstimo consignado –, a tendência é que esse movimento se expanda.
“Com toda a certeza, já estão fazendo isso (bancos e financeiras) e vão continuar fazendo, de maneira crescente”, diz Ziviani. “E o pior é que as pessoas se seduzem, porque hoje esse dinheiro (dos consignados) é o mais rápido e tranquilo que tem”, completa.
O problema, dizem os especialistas, é que, muitas vezes pressionados não apenas pelas instituições, mas por familiares, ainda mais em tempos de desemprego e de perda de renda devido à pandemia, aposentados e pensionistas tendem a contrair compromissos sem qualquer planejamento financeiro. “Muitos ficam esperando criar reservas para fazer novos empréstimos”, ressalta o advogado.
No primeiro semestre deste ano, já sob os impactos da Covid na economia, segundo o Banco Central, o volume das concessões de empréstimos consignados a beneficiários do INSS disparou quase 25%, em relação ao mesmo período de 2019. A tendência, com a MP, é que o percentual de tal crescimento se repita ou seja até maior, na segunda metade do ano.
Fonte: Hoje em Dia