No final de 2015, a juíza Martha Halfeld de Mendonça Schmidt, da 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, em Minas Gerais, cruzou com o que ela chamou de um “golpe de sorte”: navegando pelo Facebook, deparou-se com o anúncio de quatro vagas no Tribunal de Apelações da Organização das Nações Unidas (ONU).
Passados cinco anos, Martha está prestes a ser a primeira brasileira a assumir a presidência da corte internacional. Depois de descobrir, pela internet, que poderia se candidatar para atuar no tribunal da ONU, a magistrada se lembra de que precisou correr para mandar sua inscrição.
Foi pelo perfil de um juiz colega meu que era diretor na Associação dos Magistrados Brasileiros (que soube das vagas). Fui conferir no site e era aquilo mesmo. Só que as inscrições fechavam em três dias. Foi uma loucura – disse.
Com uma bagagem de quase duas décadas na magistratura e experiências de mestrado e doutorado na França, Martha foi a candidata mais votada na Assembleia-Geral da ONU e se tornou, em novembro daquele ano, a primeira brasileira a ocupar uma das sete cadeiras na Corte.
Para isso, além das provas e entrevistas, costurou uma articulação política com apoio do Itamaraty, do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, e de outros nomes de tribunais superiores e do Executivo. Associações de magistrados e personalidades do mundo jurídico também apoiaram sua candidatura.
O Tribunal de Apelação da ONU tem como atribuição julgar, em segunda instância, causas trabalhistas e administrativas envolvendo funcionários e colaboradores da entidade. O mandado de Martha como presidente começa em 1º de janeiro de 2021 e vale por um ano.
– Na presidência, quero tentar honrar essa tradição brasileira de boa diplomacia, com respeitabilidade, honestidade e boa-fé – disse a magistrada.
O sistema foi concebido para tornar mais transparente, independente e profissional a administração de Justiça da ONU e para atender os quadros da organização, que não se submetem à Justiça de nenhum país.
– Eu sempre fui servidora e, depois, juíza do Trabalho; na ONU, tive que dar uma virada para o Direito Administrativo. Foi um desafio muito grande – contou Martha sobre seus primeiros anos no tribunal.
O colegiado faz três reuniões anuais, de duas semanas cada, na sede da ONU, em Nova York, ou em outras jurisdições, como Genebra, na Suíça, e Nairóbi, no Quênia.
Como não existe uma “Constituição da ONU”, cada julgamento envolve horas de discussão, dentro e às vezes fora do plenário, entre os juízes que compõem a Corte – além da brasileira, um sul-africano, uma alemã, um grego, uma neozelandesa, uma canadense e um belga.
– É um aprendizado de um ‘Direito novo’ porque cada agência da ONU tem um Direito específico. A gente não tem uma faculdade para estudar esse ‘Direito novo’. Então, tem que estudar dentro do caso concreto qual a legislação aplicável. Isso supõe uma pesquisa e uma preparação prévia – disse, sobre sua rotina.
Ao buscar uma história que traduza o choque cultural de compor um tribunal internacional, ela se lembrou de uma de suas primeiras sessões, em que era relatora, levou sua decisão à turma, e eles “chegaram a uma conclusão totalmente contrária”. Como relatora, teve de escrever o voto majoritário.
– Me deu uma propulsão para melhorar a minha capacidade de persuasão em outra língua – afirmou.
Como o trabalho no tribunal da ONU não demanda dedicação exclusiva, Martha segue como juíza em Juiz de Fora.
– Percebi com a prática que, se a gente tiver uma oportunidade de restabelecer o diálogo entre as partes conflitantes, muitas vezes elas próprias chegam a uma solução que, às vezes, é melhor que o julgamento – disse.
No tribunal internacional, Martha tem mandato até 2023, sem chance de renovação. Seu maior desejo, afirmou, é inspirar outros brasileiros interessados numa carreira internacional.
– Se o meu percurso servir de inspiração para outras candidaturas eu vou ficar bem feliz – concluiu.
Fonte: Estadão / Leopoldina News